

Quem é do Rio de Janeiro com certeza já passou várias vezes por esse monumento inaugurado em 1986 na Praça Onze, próximo ao Sambódromo. Esse é o Monumento em homenagem a Zumbi dos Palmares, um dos locais onde se comemora todos os anos o Dia da Consciência Negra, no dia 20 de novembro. Muitos acreditam que essa cabeça é a representação da cabeça do próprio Zumbi. Só que não…
Essa cabeça é uma réplica, em maior dimensão, de uma cabeça de bronze de Ifé, um dos reinos da África Antiga, onde hoje é a Nigéria, na África Ocidental. Representa a cabeça de um dos principais ancestrais do povo iorubá, o Obá (rei) Oduduwa. Zumbi era brasileiro nascido em Pernambuco, descendente de escravizados nobres vindo das regiões entre Congo e Angola, mais ao sul. E o que representa essa arte conhecida e estudada por poucos?
Para entender a Arte Africana é preciso contextualizá-la em termos geográficos, culturais e temporais.
A origem da história da arte africana está situada muito antes da história registrada. Milênios antes da chegada dos europeus, os africanos já criavam e armazenavam arte, representando suas crenças religiosas e acontecimentos importantes de suas vidas e de suas comunidades. Os temas retratados nas obras traziam imagens do cotidiano. Eles esculpiam e pintavam mitos, animais da floresta, cenas das tradições, personagens do cotidiano etc.
Mas antes de falar sobre a arte, falaremos um pouco da região onde foram encontradas as obras mais conhecidas e estudadas atualmente.
REGIÃO DA GUINÉ


Desde o início da Era Cristã, as terras do Golfo da Guiné, onde hoje são os países Nigéria, Togo e Benin, no oeste da África, eram habitadas pelos iorubás, povo conhecido no Brasil como nagôs. Diziam ser descendentes do orixá guerreiro chamado Oduduwa (Oduduá ou Odua), considerado o primeiro governante iorubá e fundador de Ilê-Ifé, a cidade sagrada. Entre os séculos XI e XVI, Ilê-Ifé (ou simplesmente Ifé), foi o principal centro religioso e comercial iorubano ligado às rotas transaarianas. Dali eram levados ouro, escravos, marfim, dendê, sal, peixe seco, pimentas e noz-de-cola embarcados de barco, pelo rio Níger e pela costa atlântica. Em troca, Ifé recebia tecidos, armas, cobre, latão e artigos de luxo. No século XIV, outras duas cidades iorubanas ganharam destaque – Oyó e Benin – cujas origens também estão vinculadas a heróis descendentes de Oduduá. Segundo a tradição, um dos primeiros soberanos de Oyó foi Xangô que, depois de morto, transformou-se no orixá dos raios e trovões. O herói mítico de Benin, foi o príncipe Ogun, orixá do ferro, patrono dos ferreiros, caçadores, guerreiros, entalhadores etc. Seja como for, nas cidades iorubás, todo futuro obá (rei) passava por um processo de iniciação que o tonava descendente espiritual de Oduduá e porta-voz dos orixás. Divinizado, o obá praticamente não aparecia em público e só saia com o rosto coberto por uma franja de contas que pendia de sua coroa.
Quando os portugueses chegaram nessa região encontraram cidades bem grandes, com numerosas construções. No palácio do obá viviam o rei, suas mulheres e filhos, nobres com suas famílias, agregados, servidores e escravos., além de uma multidão de atendentes e especialistas que atendiam às necessidades da corte.
Logo, os portugueses estabeleceram feitorias, interessados no comércio de escravos. O maior interesse do obá era adquirir armas de fogo – arcabuzes e canhões – e pólvora. No final do século XVII, quando outras nações europeias passaram a explorar a costa africana, o obá encontrou aliados entre franceses e ingleses para conseguir as tão desejadas armas. Progrediu então o comércio de armas em troca de escravos. Até o século XIX, Benin - que superou Oyó e Ifé em poder e riqueza - foi um importante centro mercantil e fornecedor de escravos para a América. Vendiam-se aos traficantes os capturados nas guerras, os condenados pela justiça e os trazidos de mercados edos, ijós, urrobos, igalas, ibos etc.
No final do século XIX, a política europeia em relação à África mudou. Já não mais interessavam as relações comerciais e sim o domínio do território. A invasão não pacífica gerou destruição de cidades, separação de povos de mesmo reino e junção de povos de reinos distintos, o que gera conflitos até os dias atuais. Muitos altares, recintos religiosos, palácios foram invadidos e muitos artefatos religiosos e objetos reais (principalmente os eram feitos de bronze, ouro e marfim) foram saqueados, leiloados e levados para vários locais na Europa. Foi o primeiro contato com Arte Africana mesmo sem entender bem seu significado.

ARTE AFRICANA
A dispersão da arte africana para diversos museus mostrou ao mundo uma arte refinada com pleno domínio da tecnologia que, até então, não se imaginava ser possível entre culturas ditas “primitivas” pelos europeus. Questionavam a criação de objetos tão desenvolvidos com técnicas de difícil execuçâo até mesmo na Europa, por pessoas ditas “selvagens”. A Arte Africana englobava desde de pinturas decorativas, máscaras, esculturas, relevos metálicos. Mas o que mais chamou atenção foram as cabeças feitas de bronze.
Muitos governantes eram celebrados na arte africana. Reis frequentemente aparecem nas cabeças, nas máscaras de marfim, nas placas de latão que adornavam os palácios, onde eram figurados como líderes guerreiros. Eles também eram identificados pelos símbolos de seu status como leopardo, animal que era considerado “Rei do Mato” e somente o rei era permitido matá-lo,
Havia (e ainda há entre os iorubás hoje em dia) a crença de que a personalidade de alguém (iwa) reflete sua energia interior (Ase) e que esta energia está presente em todas as coisas naturais e divinas. Acredita-se que a energia reside primeiramente dentro da cabeça do sujeito, o que pode explicar o motivo pelo qual a arte da antiga Ifé tipicamente se concentra em representar esta parte do corpo, principalmente de reis. A cabeça, é a localização do cérebro (a sede da sabedoria e da razão), dos olhos (as lâmpadas que guiam uma pessoa através da selva escura da vida), do nariz (a fonte de ventilação para a alma), da boca (a fonte de nutrição para o corpo) e dos ouvidos (os detectores de som). É também um local de identidade, percepção e comunicação. E mais importante, os yorubás consideram a cabeça como o ponto através do qual a alma, a vida, doação da Suprema Divindade (Olódùmarè), entra no corpo.
Cabeças muito similares às do Benim foram descobertas na cidade santa dos iorubás, Ifé, datadas nos séculos XIV e XV. Esta descoberta confirmou a tradição do Benim, que afirmava que foram artistas de Ifé que lhes ensinaram as técnicas de trabalho do bronze. A surpresa surgiu quando estas foram datadas - significava que eram anteriores à primeira escultura europeia elaborada seguindo a técnica da cera perdida, criada por Benvenuto Cellini em meados do século XVI.
Embora o conjunto de peças receba o nome de "bronzes", nem todas são deste material, mas também de latão, ou de mistura de bronze e latão; ou ainda de madeira, cerâmica, marfim e outros materiais. Os moldes de bronze poderiam ter sido modelados sobre originais de terracota. Uma longa tradição de escultura em terracota com características semelhantes existia na cultura africana antes da criação dessas esculturas de metal.
EXEMPLOS DE ARTE AFRICANA
A Cabeça de Bronze de Ifé,

Ori Olocum, representação do principal ancestral do povo iorubá, Odudua. Provavelmente, foi feita no século XIII-XIV, antes de qualquer contato europeu ter ocorrido com a população local. A peça é na verdade feita de cobre e várias ligas, descritas pelo Museu Britânico como "latão-zinco com chumbo pesado" A cabeça é feita usando a técnica da cera perdida medindo 35 cm de altura. O rosto está coberto de estrias incisas, mas os lábios não estão marcados. O cocar sugere uma coroa de construção complexa, composta de diferentes camadas de contas e franjas em forma de tubo. A coroa é encimada por uma crista, com uma roseta e uma pluma que agora está levemente dobrada para um dos lados. O Ife Head foi encontrado em 1938 em Wunmonije, por acidente durante as obras de construção de uma casa. Foi encontrado entre dezesseis outras cabeças de latão e cobre e a metade superior de uma figura de latão. A maioria dos objetos encontrados no Complexo Wunmonije e áreas vizinhas acabou no Museu Nacional de Ife, mas algumas peças deixaram a Nigéria e agora estão nas coleções dos principais museus. Museu Britânico,, 35 cm de altura. Século 14 / início do 15. Bronze, na verdade latão
Obá Esigie

O obá Esigie, no centro, montado a cavalo em uma procissão real, tem os braços amparados por servidores jovens enquanto outros dois protegem sua cabeça. Seus pés estão apoiados sobre um servidor anão. O rei usa coroa e colares de coral que lhe cobrem a boca. Latão, 48 x 39 x 2 cm, séc. XVI-XVII, Edo/Reino de Benin, Nigéria, Museu Etnológico de Berlim. Ifé,
Iyoba:

As rainhas-mães de Benin Os altares aos ancestrais incluiam, também, aqueles dedicados à iyoba, título da rainha-mãe, cujo culto foi introduzido pelo obá Esigie (c.1516-c.1550) para homenagear sua mãe, Idia que era conhecida como grande estrategista militar, conselheira política, possuidora de poderes místicos e de conhecimento medicinal. A Iyoba Idia usa um penteado “bico de galinha” revestido de uma rede feita de contas de coral. É uma das mais célebres imagens de rainha africana. Cabeça da rainha-mãe Idia, latão, 51 cm de altura, séc. XVI, Edo/reino de Benin, Nigéria. Museu Etnológico de Berlim.

Os rostos nunca se repetem, são individualizados assim como os adornos. As escoriações na testa e acima das sobrancelhas são marcas identitárias da cultura edo e da linhagem real. Cabeça de Iyoba (rainha-mãe), 42,5 cm de altura, 1750-1800, Edo/reino de Benin, Nigéria.

A rainha usa o típico penteado “bico de galinha” recoberto com contas de coral e está acompanhada de damas, guerreiros e servidores reais. Dois leopardos, símbolos do poder do oba, estão na frente do grupo. Rainha-mãe e sua corte, latão, 33 x 30,5 x 23,5 cm, séc. XVIII, Edo/reino de Benin, Nigéria. Museus Nacionais da Escócia.

Escultura de Obá portando as insígnias reais: o corpo coberto com adornos de coral que se acreditava com poderes mágicos, a espada Eben na mão direita, símbolo de liderança, e, na esquerda, um chocalho onde há o desenho de uma serpente.

Obá o guerreiro
Obá como um guerreiro, ricamente vestido e armado, acompanhado de servidores entre eles o portador da espada Eben e o soprador de chifre de marfim. Latão, 45,6 x 35 x 9 cm, séc. XVI-XVII, Edo/reino de Benin, Instituto Smithsoniano.
ATUALIDADE
As duas coleções de objetos do Benim mais extensas encontram-se no Museu Etnológico de Berlim e no Museu Britânico de Londres, enquanto a terceira coleção mais ampla é albergada em diferentes museus da Nigéria, principalmente, no Museu Nacional de Lagos.
Desde a sua independência em 1960, a Nigéria vem solicitando várias vezes a devolução dos artefatos desta coleção. O debate sobre a situação dos bronzes em relação ao seu lugar de origem é um tema rodeado de controvérsia e tornou-se um caso importante no debate internacional sobre a restituição,
REFERÊNCIAS
https://www.naiarapaula.com/single-post/2019/02/18/incorporando-o-sagrado-na-arte-yorubA -texto-de-babatunde-lawal
BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva; SILVA, Renato Araújo da. África em Artes. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2015. 56 p. : il. ; 31 cm
SILVA, Renato Araújo da. Benim, Um País de Ancestralidade e Arte. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2013.
Commentaires