Igreja de São Sebastião do Morro do Castelo
Os jesuítas, carmelitas, franciscanos, e beneditinos chegaram no Rio de Janeiro ainda no século XVI com o projeto português de propagar a fé cristã abalada pelos ideais da Reforma Protestante na Europa. Os jesuítas, inclusive, acompanharam a fundação da cidade, enquanto as demais ordens e irmandades nela se estabeleceram nas primeiras décadas. Até 1580 somente os jesuítas tinham autorização para estabelecerem-se na Colônia, mas isso mudou nas seis décadas seguintes com a chegada de algumas antigas ordens religiosas fundadas ainda no período medieval. de Portugal à Espanha, o que propiciou a vinda de Franciscanos, Carmelitas e Beneditinos. Todos eles representavam as Ordens Primeiras.
Beneditinos e jesuítas ocuparam os morros, respectivamente Morro de São Bento e Morro do Castelo. Os franciscanos, ocuparam o Morro de Santo Antônio, no Largo da Carioca e só os carmelitas distinguiram-se dos demais por escolherem o sítio de frente ao porto. Essas terras foram cedidas com autorização da Coroa Portuguesa para os religiosos. Com a necessidade da expansão de terras, algumas ordens religiosas foram recebendo outros territórios e se deslocando para o interior.
Os religiosos já chegavam ao Brasil com autoridade moral. Era de certa forma um consolo aos fiéis, que muitas vezes, devido à falta de padres diocesanos, ficavam devendo em suas obrigações religiosas, e estes auxiliavam atendendo confissões e pregando nos mais longínquos lugarejos da colônia. A Igreja funcionava como instrumento de controle social. A condição social do indivíduo implicava, no “ser cristão”. Desta forma, a obediência aos preceitos religiosos era conseguida através de medidas como a excomunhão e a exposição dos pecadores para a reprovação pública, o que garantia a congregação da população em torno das normas ditadas pela igreja.
As mulheres também tiveram seu espaço no meio religioso, mesmo sendo consideradas menos importantes e por isso mesmo denominadas de Ordem Segunda. Os grupos religiosos femininos se estabeleceram no território brasileiro bem mais tarde. O governo português não aprovava a construção de conventos femininos no Brasil porque as mulheres brancas seriam essenciais na formação de núcleos familiares e pelo “branqueamento” da nova terra. As famílias nobres solicitavam a criação de conventos com bastante insistência pois seria uma forma de manter a virgindade de suas filhas e ao mesmo tempo afastá-las de eventuais maridos desprovidos de qualquer título de nobreza ou de condições financeiras para mantê-las.
A igreja no Brasil colonial contava, com a presença das ordens religiosas e das confrarias. As confrarias eram de dois tipos: as ordens terceiras e as irmandades. As ordens terceiras vinculavam-se às tradições religiosas e relacionavam-se aos franciscanos, aos carmelitas e aos dominicanos. As irmandades, uma herança da Idade Média, representavam as antigas corporações de ofício e representavam associações voluntárias de leigos dedicados à beneficência social e à ajuda mútua.
As ordens religiosas e irmandades, através de seus patrimônios imobiliário e fundiário desempenharam no Rio de Janeiro um importante papel no processo de conformação da cidade. A paisagem urbana estava vinculada à presença dos religiosos. Cada ordem, irmandade ou confraria dominava uma parte do território, sendo esta dominação de base econômica - a produção agrícola, pastoril e de serviços - e ideológica, exercida pela religião católica.
As cidades, ao serem fundadas, tinham seu termo e rossio demarcados. O termo, onde se estabeleciam as instituições e as residências e era doado em sesmarias. O rossio era uma terra de expansão, utilizada pela população na extração de lenha e de madeira para a construção, como pasto e como terra de plantio. Eram terras livres, áreas destinadas ao uso público no interior do termo.
Além de propagar a fé, os religiosos exerciam um importante papel político, social, normativo e institucional. As leis recomendavam que as construções sagradas estivessem em lugares decentes, em sítios altos e livres de umidade. Caso já houvesse ocupação na vila, as igrejas deveriam se instalar onde pudessem passar as procissões. Outra recomendação dizia respeito ao adro – área livre em frente da igreja – que poderia tornar-se refúgio para os foragidos.
Do ponto de vista urbano, as ordens religiosas tiveram um papel importante. Abriram ruas em troca de terras, forneceram água em suas carroças para a população, ofereceram bois, foram responsáveis pela educação, pela saúde, pela hospedagem dos romeiros pobres e acolhia os fugitivos no adro das igrejas. As ordens religiosas possuíram engenhos, fazendas de gado, olarias, estaleiros, armazéns e propriedades urbanas. Além disso, seu patrimônio fundiário e imobiliário, acumulado através de doações de famílias nobres e da Coroa, como também por compra, induziu os caminhos da expansão da cidade.
Inicialmente, o Rio era dividido não em bairros, mas em freguesias que eram áreas de abrangência das paróquia. Como os sacramentos valiam como registro civil, acabaram virando, além de divisões eclesiásticas, delimitações administrativas. O conceito de bairro, no Rio, só foi aparecendo da década de 1830 em diante, mas as freguesias só perderam sua importância referencial quase cem anos depois.
Freguesia da Candelária
Até a década de 1870, as freguesias urbanas eram as seguintes:
SÃO CRISTÓVÃO: correspondente a praticamente o mesmo território do bairro atual;
SANTANA: Cidade Nova e Santo Cristo;
SANTA RITA: Gamboa e Saúde;
Nossa Senhora da CANDELÁRIA: região da atual Praça Mauá;
SACRAMENTO: miolo do Centro, como Praça Tiradentes, Saara e Cruz Vermelha;
SÃO JOSÉ: Castelo;
SANTA LUZIA: Castelo, Misericórdia, Cinelândia;
SANTO ANTONIO: Largo da Carioca, Lapa e Bairro de Fátima;
Divino ESPÍRITO SANTO: partes do Estácio e Catumbi;
São Francisco Xavier do ENGENHO VELHO: Tijuca, Maracanã, Vila Isabel, Grajaú e Rio Comprido;
Nossa Senhora da GLÓRIA: Cosme Velho, Laranjeiras, Catete, Glória e Flamengo;
São João Baptista da LAGOA: Botafogo, Humaitá, Copacabana e Leme;
Nossa Senhora da Conceição da GÁVEA: Jardim Botânico, Gávea, Lagoa, Ipanema, Leblon, São Conrado, Joá.
Na ausência de outras formas permitidas de lazer, a igreja constituía-se em local para a congregação entre os irmãos e para a busca de informações. No dia-a-dia, eram os badalos dos sinos dos templos que marcavam as horas na cidade e todos os principais avisos de incêndios (comuns àquela época), nascimentos e mortes. Eram através dos padres, e de seus temas religiosos, as únicas manifestações existentes em relação às teatralizações, artes plásticas ou música. As grandes oportunidades de festas públicas eram oferecidas por ocasião das procissões religiosas ou solenidades (pomposas) decorrentes dos enterros. Quanto à arte, nos séculos XVI e XVII era eminentemente sacra. Em 1638 os jesuítas iniciaram o curso de arte no Rio de Janeiro e peças artísticas como estátuas e retábulos eram elaboradas por mulatos nos domínios (rurais e urbanos), desta ordem. As representações teatrais ocorriam nos adros das igrejas e, nos autos, se os atores fossem estudantes dos loyolistas anjos e demônios dialogavam na língua tupi. As liturgias, muitas vezes teatrais, eram baseadas na vida de santos.
Na ausência de bancos, eram nas Igrejas que os mais abastados guardavam suas economias. Eram responsáveis pelo enterros dos brancos da sociedade (aos negros só foi concebido enterro católico a partir do século XVII). Cabia à Santa Casa, por exemplo, a cura dos enfermos, o amparo aos pobres, condenados ou enjeitados, as esmolas aos necessitados, o ensino e a proteção aos órfãos, os “dotes às donzelas sem recursos” e a exclusividade sobre o sepultamento. Para isso, a irmandade contava com seu hospital, casas de recolhimento e o cemitério em terreno anexo (para o enterro dos brancos não sepultados nas igrejas a que eram associados). Por outro lado, outras instituições religiosas também ofereciam medicamentos e serviços médicos à população através de suas boticas. O clero era também a instituição que realizava, através de seus “livros de notas”, funções administrativas como registros de nascimentos, casamentos e óbitos, de testamentos e de posses de terras.
A estruturação do espaço urbano carioca até este período, mesmo que lenta, se mantinha também determinada pela ação principal dos religiosos. Construíram edificações públicas, fortes, pontes e guindastes (como o do morro do Castelo, ligando a Sé e Colégio dos jesuítas à várzea da cidade), chafarizes, poços e fontes (únicas formas para o abastecimento de água da população), saneamento e aberturas de ruas. As primeiras obras de saneamento no Rio de Janeiro, foram realizadas nas fazendas dos religiosos (jesuítas e beneditinos) e depois trazidas para a cidade. Um outro aspecto do cotidiano da cidade e de sua estruturação diz respeito ao fato de que, até o final do século XVIII, o Rio de Janeiro era iluminado apenas nas proximidades dos edifícios religiosos. O único movimento noturno considerável, naqueles tempos, era o decorrente das ocasiões de festas sacras que se prolongavam depois do escurecer. A noite apenas circulavam os escravos, muitas vezes em direção à vala para descarregar tonéis de excrementos provenientes das residências de seus senhores
A Igreja era também responsável pela educação elementar na colônia. Foram eles os fundadores dos mais importantes colégios do período colonial, dezessete no total. Sua metodologia de ensino era rígida com características militares de disciplina e obediência. O estudo centrava-se em quatro fases sequenciais: curso elementar, Curso de Humanidades, Curso de Artes, Ciências ou Filosofia e o Curso de Teologia. No primeiro curso eram ensinadas as primeiras noções alfabéticas e aspectos da doutrina religiosa cristã católica; o segundo tratava das disciplinas ligadas às humanidades, como gramática e retórica, sobretudo com o uso do latim, geralmente durava dois anos; no terceiro curso a disciplina mãe era a matemática, seguida da física, lógica, ética e metafísica, com duração de três anos; por fim, no quarto e mais longo período, de quatro anos, o aluno recebia o título de doutor, depois de ter estudado teologia moral e especulativa.
De uma forma resumida, podemos afirmar que, os serviços cotidianos que afetavam a vida da população eram todos realizados pelas as ordens religiosas
Já as irmandades tem seu auge e maior força no Brasil durante o período colonial. Porém, algumas irmandades resistem até os dias atuais. As irmandades foram uma força auxiliar, complementar e substituta da Igreja., sendo responsáveis pela contratação de religiosos e pela construção dos templos.
Trazidas para o Brasil com as grandes navegações do século XVI, as irmandades eram reguladas por um estatuto que tinha que ser aprovado pelo Estado e pela Igreja, o chamado compromisso. Uma vez aprovada seu funcionamento, a mesa diretora da irmandade deveria registrar as decisões por ela tomadas em suas reuniões, as receitas e despesas que sustentavam a entidade, os bens que ela possuía e as entradas de irmãos que procuravam as vantagens de pertencer aos seus quadros. Neste compromisso se estabelecia um conjunto de regras que determinava os objetivos da associação, as modalidades de admissão de seus membros além de seus deveres e obrigações. Era a partir da aceitação do compromisso que os membros da irmandade se comprometiam a venerar o santo padroeiro, mantendo seu culto.
Devemos considerar também o papel desempenhado pelas irmandades. Inicialmente, e seguindo uma tradição portuguesa, o congraçamento em irmandades era apenas permitido à população branca. As associações religiosas leigas se constituíram em um lugar privilegiado para o encontro humano e eram, assim, instrumento de sociabilidade na colônia.
As ordens terceiras e irmandades que representavam a elite, como a do Carmo, da Santíssimo Sacramento da freguesia da Candelária (constituída em 1634 pelos ricos entre os quais muitos comerciantes), da Misericórdia, a Militar de Santa Vera Cruz (dos oficiais e soldados da guarnição) e a de São Pedro Gonçalves (dos comerciantes e navegantes), estabeleceram-se intramuros, perto do porto ou nos topos dos morros. A do Santíssimo Sacramento, uma das mais antigas da cidade (de 1567 ou 1569), ficava na Sé. Aquelas dos peões, como a irmandade do Glorioso Patriarca São José (dos oficiais pedreiros, carpinteiros, ladrilheiros, canteiros, violeiros e marceneiros), e a capela da irmandade de Nossa Senhora do Parto (dos carpinteiros pardos) também encontravam-se no núcleo.
REFERÊNCIAS
Fridman, F.; Macedo, V. A ordem urbana religiosa no Rio de Janeiro colonial. URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, SP, v. 1, n. 1, p. 1–21, 2013.
DOI: 10.20396/urbana.v1i1.8635109. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8635109. Acesso em: 22 ago. 2021.
Gumieiro, Fábio . As ordens religiosas e a construção sócio-política no Brasil: Colônia e Império Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 46, p. 63-78, Curitiba, 2013.
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