Após sucessivas invasões estrangeiras e contrabando de produtos da colônia, Portugal entendeu que era essencial para manter a segurança de diversos pontos do litoral imprimir uma política de povoamento e expulsar os franceses. Para efetivamente se conseguir a ocupação da região era necessária a pacificação dos grupos indígenas, colocando-os em aldeamentos. Dessa forma, eles seriam mantidos disponíveis para o trabalho de particulares ou para as obras públicas. Àqueles que demonstrassem resistências ao projeto colonial, ou seja, ao aldeamento, a catequese, ao trabalho compulsório e a vassalagem ao rei, estaria assegurada a guerra. Aos que escapassem da morte, restaria a escravização. A missão inicial de pacificação dos indígenas e ocupação das terras foi dada aos jesuítas e a missão de povoamento se continuou com a doação de sesmarias.
A etapa inicial da colonização se deu, sobretudo, no litoral nordestino. Fatores climáticos e características de solo permitiram o florescimento da cultura da cana-de-açúcar e a proximidade a Portugal viabilizou o aproveitamento do seu potencial exportador, fazendo dessa atividade o núcleo econômico central do Brasil-colônia. Até o século XVII, o Brasil era o maior produtor mundial de açúcar. No Nordeste, do Recôncavo Baiano ao Rio Grande do Norte, cultivava-se cana-de-açúcar. Os núcleos principais de produção foram Bahia e Pernambuco. Rio de Janeiro e Espírito Santo cultivavam cana em menor escala e, de forma predominante, para a produção de aguardente que servia de moeda de troca por escravos na África
A economia do açúcar se estruturou no chamado plantation com base em três elementos básicos: latifúndio, monocultura e trabalho escravo. Juntamente com a plantação da cana, nasceram, no Brasil, a grande propriedade rural e a sociedade patriarcal e escravocrata. O engenho de açúcar era um empreendimento que exigia um grande volume de recursos para ser iniciado. Para beneficiar a cana e produzir o açúcar era necessário construir engenhos, que eram prédios com moendas movidas a força braçal ou animal. O líquido obtido do esmagamento da cana era levado ao fogo em grandes caldeirões de ferro, onde era fervido até secar e permitir a produção de diversos tipos de açúcar. O cultivo, a colheita e o beneficiamento exigiam muita mão de obra e equipamentos caros. As terras eram concedidas àqueles que tinham alguma relação com a coroa portuguesa ou com os capitães donatários e que possuíam recursos para ocupá-las e nelas produzir. Por isso, predominou a grande propriedade. Além disso, o ciclo do açúcar só foi possível devido à solução do problema da mão-de-obra: o escravo africano. Um engenho médio tinha de 60 a 100 escravos. Um grande poderia ter mais de 200. A mão de obra escrava africana foi mais utilizada nas áreas mais prósperas do Nordeste. No Rio de Janeiro predominou a mão de obra indígena mesmo com toda a resistência. Apesar de não terem, na maior parte dos casos, o direito de propriedade sobre as terras e, portanto, garantias de transmissão hereditária da propriedade, o status social do senhor de engenho carregava um enorme prestígio. Os pequenos produtores pagavam com uma parte de sua produção a possibilidade de transformação da cana em açúcar na propriedade dos senhores de engenho. Nos locais onde havia engenho não predominou a pecuária. O gado criado solto, destruía as plantações. Apenas alguns eram usados para subsistência e para o trabalho nas moendas
Em julho 1563, Estácio de Sá doou duas sesmarias na recém-fundada cidade de são Sebastião do Rio de Janeiro: a primeira, “e a mais vasta” para a Companhia de Jesus –“que permanecerá como a maior proprietária de terras da capitania até sua expulsão do Brasil em 1759”– como reconhecimento por todos os serviços prestados à coroa e a segunda para a municipalidade.
Os jesuítas, enquanto indivíduos, mantinham o voto de pobreza, mas a Coroa exigia que as terras doadas fossem ocupadas e produtivas o que era, nos anos finais do século XVI, atividade proibida pelos superiores. Isso gerava um grande problema com relação as suas terras pois deixá-las abandonadas poderia incentivar a invasão. Essa situação só sofreu mudanças em 1590, quando o padre geral, Aquaviva, autorizou mediante argumentos variados, o plantio de cana de açúcar nas sesmarias doadas a Igreja. Isso também foi permitido nos arrendamentos cedidos pela Igreja aos cidadãos comuns. E assim foram surgindo as primeiras fazendas de engenho no Rio de Janeiro
Muitos religiosos tinham receio dessa situação. O medo era de que a Companhia de Jesus acabasse perdendo essas terras, que os bois e os escravos dos novos engenhos causariam danos aos padres; que os seus escravos acabariam tomando o “vinho do mel do engenho”, ou seja, a aguardente e se envolveriam em brigas. Mas argumentos favoráveis mostravam que isso traria rendas, os dízimos que os padres recebiam poderiam ser recolhidos nessas produções; aumentando a produção de açúcar mais embarcações chegariam ao porto da cidade e com isso, os preços das mercadorias cairiam. Os jesuítas optaram por exercer sobre suas terras tanto o sistema de aforamentos quanto o de arrendamentos de acordo com seus interesses, com o tamanho da terra e a importância do solicitante. No sistema de aforamento, o senhorio do imóvel delegava a outrem todos os direitos de domínio mediante um pagamento anual, conservando para si o domínio direto. Tratava-se de uma situação de caráter perpétuo e transmissível aos herdeiros. Já no sistema de arrendamentos a ocupação e o uso eram temporários mediante também o pagamento de uma quantia anual. Nos dois casos, a Companhia de Jesus mantinha o domínio real sobre suas terras e as utilizava como uma importante fonte de renda para a manutenção dos seus projetos.
Na parte das terras que ficaram sob a administração direta dos jesuítas eles se dedicaram à criação de gado. As terras eram chamadas apenas de “terras dos jesuítas. Em 1620 o colégio do Rio de Janeiro já administrava três currais. Provavelmente, os três criatórios de gados eram o Engenho Velho, a fazenda da Papucaia e a fazenda de Santa Cruz, que eram as propriedades mais antigas dos inacianos no Rio de Janeiro. Todavia, com o crescimento da cidade e de sua população, parte do gado que era criado no engenho Velho foi transferido para a fazenda de Santa Cruz e alguns anos depois, a fazenda de Campos dos Goitacazes também passou a criar o gado jesuítico. A partir da saída do gado, as terras do Engenho Velho ficaram totalmente disponíveis para a produção de cana de açúcar, legumes, cerais e frutas visando o abastecimento do colégio e das residências, mas também a exportação. Os padres começaram a se dedicar a produção de cana-de-açúcar, produto muito mais valorizado no mercado externo e, portanto, com maiores capacidades de gerar lucros para o colégio, demonstrando que estavam inseridos nas mesmas lógicas econômicas que regiam os demais produtores da cidade e da capitania. Além dos padres, os foreiros também produziam cana-de-açúcar e parte dessa produção era entregue aos religiosos como pagamentos dos arrendamentos.
A partir dos últimos anos do século XVI até o final do seguinte, o crescimento dos engenhos foi constante, atingindo o auge na década de 1640. Houve uma dispersão desigual pelas diferentes áreas da capitania e esta teve ligação direta com as frentes de expansão da população, ou seja, na medida em que grupos indígenas eram conquistados-aldeados ou extintos, levas de colonos entravam pelas áreas estabelecendo engenhos e engenhocas
No período colonial, a parte considerada urbana da cidade do Rio de Janeiro era uma região apertada entre os morros do Castelo, de São Bento, de Santo Antônio e da Conceição com algumas vias que levavam ao “sertão”, surgida entre brejos e mangues. Era uma cidade bastante modesta restrita as freguesias da Candelária, São José, Sacramento, Santa Rita e Santana. As outras freguesias eram consideradas rurais e ocupadas por fazendas de engenho, nas áreas mais distantes, e chácaras nas freguesias mais próximas do Centro, como Glória, Catete, Laranjeiras e Botafogo, usadas pela elite como residências de final de semana.
A capitania do Rio de Janeiro possuia uma característica econômica específica. O seu solo produzia um açúcar considerado de má qualidade, ou de segunda linha. Ainda assim, sua elite, ou seja, os homens que realizaram a conquista de seu território aos índios e aos franceses, conseguiram alicerçar suas bases econômicas e políticas na grande empresa açucareira. Os padres não arriscaram em suas terras nenhuma inovação, quer seja de produtos quer seja de técnicas. Ao se decidirem pela produção de cana-de-açúcar em suas terras, estavam apenas seguindo os rumos econômicos da capitania
O Engenho Velho (atual região da Tijuca) foi a primeira unidade agrária inaciana em terras da capitania do Rio de Janeiro. Até os anos finais da primeira metade do século XVII, a mão de obra que abastecia os engenhos e as casas era formada basicamente por índios descidos dos sertões –de maneira legal ou não– ou pelos aprisionados em guerra justa e a utilização deles como mão de obra estava distribuída por praticamente toda a sociedade. Aos poucos, os padres jesuítas foram introduzindo escravos africanos em suas propriedades. O engenho Velho, no ano de 1683, foi responsável por 44.6% do total dos rendimentos do colégio do Rio de Janeiro. Em 1707 os padres já tinham em funcionamento o engenho Novo, localizado a algumas léguas do Velho. Também arrendaram a Quinta do Rio Comprido que ficava em terras do Engenho Velho,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Amantino, Marcia. As origens da terra jesuítica na capitania do Rio de Janeiro e a implantação do engenho Velho no século XVII. Am. Lat. Hist.
Econ., sep.-dic., 2016, pp. 7-36 | doi: 10.18232/alhe.v23i3.666v23i2.707
Mesgravis, Laima. História do Brasil colônia. 1ª edição, 4ª reimpressão. São Paulo. Editora Contexto. 2020
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