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CAIS DO VALONGO E PEDRA DO SAL - A REPRESENTATIVIDADE DA PEQUENA ÁFRICA




CAIS DO VALONGO

Em meados do século XVIII, a população carioca estava mobilizada com a discussão sobre o aumento dos focos de epidemias da cidade – como o escorbuto, a sífilis, a erisipela, a bexiga, a sarna e outras pestes. Em meio aos debates, a Câmara Municipal definiu aquela que tem sido considerada como a primeira política higienista do Rio de Janeiro. Baseados na ideia de que os navios negreiros chegavam da África carregados de doenças, os vereadores aprovaram leis que proibiam o desembarque e o comércio de escravos na área mais nobre e adensada da cidade (a região da atual Praça Quinze).

O novo lugar destinado ao desembarque e ao comércio negreiro foi o Valongo, cujo cais ficou pronto em 1758. A medida sofreu resistência inicial por parte dos comerciantes estabelecidos nos antigos logradouros, mas, com o tempo, o tráfico se transferiu para lá, fato que acabou projetando o perímetro urbano da cidade para além do Morro de São Bento, povoando a Prainha, a Saúde e a Gamboa, que se encheram de trapiches (armazéns) e de novas residências de grandes comerciantes. Por ter águas mais profundas, a região do Cais do Valongo foi, aos poucos, se consolidando como a mais importante área portuária da cidade, para onde se dirigiam os navios de maior calado. Tanto que foi lá que desembarcou, em 1843, Dona Teresa Cristina, a futura esposa do imperador Dom Pedro II. Desde então, e com nova ornamentação, se transformou no Cais da Imperatriz.

Há evidências de que esse porto foi o maior porto de chegada de africanos escravizados no mundo, cerca de dois milhões de escravos chegaram ao Rio de Janeiro, a maior parte por este porto, que deixou de funcionar por volta de 1831. Nessa região também se encontrava o maior mercado de escravos do Rio de Janeiro, localizado na rua do Valongo, que ligava o Cais do Valongo ao Largo do Depósito, onde existiam lojas que vendiam escravizados e artigos relacionados à prática da escravidão.

As ruínas do Cais do Valongo/Imperatriz foram encontradas durante as obras de revitalização da zona portuária e podem ser vistas na esquina das ruas Barão de Tefé e Sacadura Cabral. Estima-se que por lá passaram cerca de um milhão de africanos. Não muito longe das ruínas do cais, na Rua Pedro Ernesto, um outro sítio arqueológico foi descoberto, O Cemitério dos Pretos Novos, onde os negros vindos da África que morriam antes de serem comercializados eram enterrados de maneira desumana ( detalhes que foram falados no post anterior).


PEDRA DO SAL







No início dos anos 1600, no mesmo local onde hoje se encontra a aos pés do Morro da Conceição, ficava um lugar conhecido como Pequena África. O sal, que há tempos atrás era usado como moeda, era escoado naquela região, próxima a Praça Mauá e o Cais do Porto. O nome Pedra do Sal, se deu por causa dessa atividade. Era também conhecida como Quebra-bunda, pois as pessoas escorregavam com facilidade. Por esse motivo foi esculpida por negros escravizados uma escada na rocha. As primeiras grandes docas do Rio de Janeiro surgem nesta época, datando daí o aparecimento de trapiches onde se arregimentavam os estivadores. Ali escravos trabalhadores da estiva se reuniam para fazer oferenda, tocar seus tambores e compartilhar momentos de alegria em rodas de samba marcados na palma da mão, no pandeiro e no prato-e-faca.

O lugar histórico também é conhecido por ter sido ponto de venda de escravos que vinha nos navios negreiros. Após a abolição, os negros ex-escravizados mantiveram seus vínculos junto ao porto. Foi área de sociabilidade para rituais, cultos religiosos, batuques e rodas de capoeira, a maneira como os negros pobres excluídos socialmente encontraram para perpetuarem e recriarem suas tradições, com práticas que serviam como uma válvula de escape para a vida que era difícil e de resistência cultural.

Com a virada da metade do século XVIII, se agravam as condições de vida na capital da Bahia, o que propicia uma migração sistemática de negros sudaneses para o Rio de Janeiro. Com a abolição engrossa o fluxo de baianos para o Rio fundando-se praticamente uma pequena diáspora baiana na capital. É ao redor da Pedra do Sal que os baianos se concentram trazendo para as vizinhanças seus pontos de encontro. Torna-se um ponto de referência da cultura negra, sendo sua importância baseada nos valores afetivo e cultural. A Pedra do Sal era tida como uma casa para negros baianos e africanos que chegavam ao Rio de Janeiro. Era o local que identificaram como o seu território, onde se sentiram acolhidos, onde se reestruturaram após o fim da escravidão desenvolvendo traços culturais diferenciados do restante da cidade do Rio de Janeiro.

Os habitantes dessa “Pequena África” fixaram-se na Saúde e em outros bairros do centro da cidade onde os aluguéis eram mais baratos, e perto do cais do porto, onde os homens buscavam trabalho na estiva. Muitos moravam em habitações coletivas, conhecidas como casa de cômodos, para dividirem o custo da habitação. Essas pessoas desempenharam um papel muito importante na reorganização da parte popular da cidade, pois muitos já possuíam experiência em ofícios na Bahia como negros livres, tornaram-se uma liderança entre as camadas baixas A colônia baiana se impõe no mundo carioca em torno de seus líderes vindos dos terreiros de candomblé e dos grupos festeiros, se constituindo num dos únicos grupos populares no Rio de Janeiro com tradições comuns , cuja influência se estende a toda a comunidade heterogênea que se forma nos bairros em torno do cais do porto.

A casa do candomblé de João Alabá é um dos mais importantes pontos de convivência dos baianos de origem. As tias baianas como Ciata, Bibiana, Mônica, Perciliana e outras, que se encontravam no terreiro de João Alabá, formam um dos núcleos principais de organização e influência sobre a comunidade. São essas negras que ganham respeito por suas posições centrais no terreiro e por sua participação nas principais atividades do grupo, que garantiram a permanência das tradições africanas e as possibilidades de sua revitalização na vida mais ampla da cidade. As tias também eram respeitadas pela situação financeira, adquirida por meio do trabalho no centro da cidade com a venda nos tabuleiros de acarajé, doces e outras comidas. Muitas vezes eram a base econômica da família, responsáveis pelo aluguel dos casarões onde viviam, o que lhes permitiam abrigar recém-chegados

A forte presença feminina das ‘tias’ é um resquício da escravidão, pois a família africana dilacerada por este sistema, se forma geralmente em torno da mulher e de uma nova família. A legislação escravista enfatizava sempre a unidade "mãe-filhos", Assim, a mãe assumia sozinha a responsabilidade dos filhos, já que os parceiros estavam sempre de passagem. Mesmo depois da abolição essa situação não se modificou muito. Nesse contexto, as mulheres negras, em relação aos homens, conseguiram ter maiores oportunidades de trabalho, assim como são principalmente elas que mantêm a prática religiosa.

Nas camadas populares nem sempre predominavam os laços da família biológica, às vezes predominava a ideia de solidariedade e união, o parentesco passa a ser por laços de afetividade. Por isso eram comuns as figuras das tias sem sê-lo realmente. A casa das tias era o lugar de socialização do grupo: A mais famosa de todas as baianas, a mais influente, foi Hilária Batista de Almeida, a "Tia Ciata", citada em todos os relatos do surgimento do samba carioca e dos ranchos, como na memória dos negros antigos da cidade

Na virada do século XVIII para XIX, a Saúde, como o velho centro do Rio, era cheio de templos afro-brasileiros; havia ialorixás, cambonos e alufás em cada quarteirão. Na Pedra do Sal, se faziam despachos e oferendas e era considerado um local sagrado. Os templos católicos foram tombados e preservados. Nenhum afro-brasileiro o foi. Remanescendo como espaço ritual, a Pedra do Sal é um dos poucos testemunhos físicos daquele passado de densa religiosidade carioca.

A Pedra do Sal é um dos maiores redutos de samba e história do Brasil. Os primeiros sambistas da região eram estivadores que trabalhavam por conta do sal que chegava nos navios. A Pedra do Sal foi pioneira na realização de rodas de samba em espaços urbanos, difundindo essa prática que hoje é tão procurada em todos os cantos do Brasil pelos amantes de música. Ali um neto de escravos escreveu a maioria dos seus versos: o famoso João da Baiana. Trabalhador da estiva, João escrevia canções bem-humoradas mas cheias de críticas ao racismo e ao regime desigual que imperava na época. Na Pedra do Sal, João se reunia com os amigos de infância, Donga e Heitor dos Prazeres, além de se encontrar com Pixinguinha para cantar seus sambas.

A primeira vista, a localidade nada mais é do que uma escadaria, cercada por paredes com desenhos que traduzem a história do local, mas ela é muito mais complexa e misteriosa que os nossos olhos podem alcançar. Perto da Pedra do Sal está a Igreja de São Francisco da Prainha.

Atualmente, o point é palco de animadas rodas de samba. Não se paga ingresso, nem existe reserva de lugar. Todo mundo fica em pé, pede sua cerveja gelada e aprecia o samba rolando solto e a atmosfera única que toma conta do público. Local de comemoração no Dia da Consciência Negra e no dia do samba, com rodas de samba, feijoada, lavagem da Pedra pelo afoxé Filhos de Ghandi

Na Pedra do Sal se encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal ( detalhes no post sobre quilombos urbanos) e a mesma foi tombada em 20 de novembro de 1984 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Vania Oliveira Ventura Pedra do sal Patrimônio Cultural /Museu Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio. UNIRIO/MAST- RJ Rio de Janeiro, 2016



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