top of page
Buscar
  • Foto do escritordanielericco

CINELÂNDIA E O PROJETO DA BROADWAY BRASILEIRA


A Cinelândia é um dos locais mais charmoso do centro do Rio de Janeiro. Todo esse charme é antigo e está diretamente ligado à história da Cidade Maravilhosa. O fato de ser cercada por prédios como o da Biblioteca Nacional, da Câmara Municipal (Palácio Pedro Ernesto), do antigo Supremo Tribunal Federal, do Palácio Monroe e do Theatro Municipal motivou a ideia de transformar a praça em uma versão brasileira da Times Square. Essa sacada veio do empresário Francisco Serrador, um espanhol radicado no Brasil e proprietário de cassinos, cinemas, teatros e hotéis.

Foi durante as obras da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco) que se deu a construção da praça. As obras foram erguidas em parte de um terreno do antigo Convento da Ajuda. A praça era chamada de Largo da Ajuda devido à ermida em louvor à Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, erguida ali logo após a expulsão dos franceses da Baía de Guanabara. no século XVIII . A ermida foi demolida na primeira década do século XX.


Convento da Ajuda


Até o primeiro quarto dos anos 1700, era um lugar deserto e distante da cidade, pois o centro urbano havia crescido no sentido oposto, para o lado da Rua Direita (atual Primeiro de Março). Mas, com a construção, em 1739, do Seminário Episcopal de São José, nos fundos da Capela da Ajuda, e a inauguração, em 1750, do Convento da Ajuda, transformações no cenário do Largo começaram a acontecer.

Nessa época, o Rio de Janeiro crescia aceleradamente por ser o porto de escoamento do ouro mineiro. Discussões sobre o saneamento se tornaram pauta permanente em razão das pestes que assolavam a população. A Lagoa do Boqueirão, que começava nas proximidades do Largo da Ajuda e se estendia até a Lapa, era considerada a maior fonte de transmissão de doenças da cidade, e seu aterro, na última década do século XVIII, mudou a feição do lugar.



Sobre uma parte do aterro da lagoa foi construído o Passeio Público, o primeiro espaço de lazer do Brasil. Com vastos jardins projetados por Mestre Valentim, logo se transformou na área de recreação predileta da “boa sociedade” carioca. Ainda na década de 1790, no pátio do Convento da Ajuda, foi instalado o Chafariz das Saracuras, também de Valentim. Com o aterro, o Passeio e o acesso fácil à água potável, o Largo se transformou numa área privilegiada da cidade.

Perto dali a Rua da Ajuda, que margeava o Morro do Castelo pela encosta voltada para atual Avenida Rio Branco, também exerceu papel importante no lugar. Nessa rua moraram vários artistas – como o francês Jean-Baptiste Debret – e vários políticos – como o capitão-mor José Joaquim da Rocha, em cuja residência foi arquitetado o movimento que culminou no Dia do Fico. Aliás, na mesma via também ficava a casa do deputado Padre Custódio Dias, uma espécie de quartel-general da oposição exaltada, que pregava a abdicação de D. Pedro I.

Na segunda metade do século XIX, a Rua da Ajuda ainda abrigava escolas importantes, como a Sociedade Amante da Instrução – voltada para o ensino de crianças de baixa renda – e o Colégio Aquino, onde estudou o escritor e engenheiro Euclides da Cunha. Era também endereço do Hotel Brisson e o seu Teatro Jardim da Flora, depois rebatizado de Phênix Dramática, um dos mais populares da época, por oferecer repertório de operetas e cançonetas cantadas em português, e colocar em cena personagens carnavalescos, como o Zé Pereira.

A Cinelândia também já se chamou Largo da Mãe do Bispo, porque nela morava dona Ana Teodora, mãe de D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, bispo do Rio de Janeiro entre 1775 e 1805. que era bastante prestigiado na cidade. A casa fica no encontro das atuais ruas Evaristo da Veiga e Treze de Maio.


Casa da Mãe do Bispo


Com a inauguração da Avenida Central, em dezembro de 1905, via aberta para ser o principal cartão-postal do Rio de Janeiro, o Campo da Ajuda virou Praça Floriano em homenagem ao segundo Presidente da República e ganhou os ares afrancesados tão almejados pela jovem república brasileira. A abertura da via implicou a demolição de parte do Morro do Castelo – e de quase toda a Rua da Ajuda –, além da construção de novos prédios capazes de dar à cidade feições de uma Paris tropical.

A primeira edificação ali instalada foi o Palácio Monroe, uma bela estrutura metálica desmontável, instalada na confluência das praças Floriano e Mahatma Ghandi, em 1906, para sediar a Conferência Pan-Americana. O palácio teve muitas missões até sua demolição, na década de 1970, entre elas a de Câmara dos Deputados e a de Senado Federal.

Em 1908, a Praça Floriano ganhou mais um prédio: o da Escola Nacional de Belas Artes (transformada em museu em 1937). Em 1909, foi inaugurado o suntuoso Supremo Tribunal Federal (que, com a transferência da capital para Brasília, passou a funcionar como Centro Cultural da Justiça). Ainda em 1909, com projeto arquitetônico inspirado na Ópera de Paris, o luxuoso Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu suas portas para o público. No ano seguinte, foi a vez da Biblioteca Nacional. O cenário de construções suntuosas seria completado em 1923, com a inauguração da sede da Câmara Municipal – Palácio Pedro Ernesto– na época apelidado de Gaiola de Ouro, devido ao luxo excessivo de suas instalações.




Na década de 1920, o visionário empresário espanhol Francisco Serrador, que já havia construído uma rede de parques e estabelecimentos de diversão no Paraná e em São Paulo, aliou-se a alguns empresários do Rio de Janeiro. O objetivo era levar a cabo o projeto do Quarteirão Serrador em meio a todos aqueles suntuosos prédios da Praça Floriano, seguindo o modelo da nova-iorquina Broadway. Entre os empresários aliados estavam os irmãos Vivaldi e Ademar Leite Ribeiro, que compraram o terreno do Convento da Ajuda para construir modernos edifícios no estilo art nouveau, dotados de infraestrutura de salas de espetáculo. O projeto se materializou com a inauguração de uma série de cinemas. O nome Cinelândia veio quando a região passou a ter as melhores salas de cinema da cidade, como Cine Odeon, Cineac Trianon, Cinema Parisiense, o Império, o Pathé, o Capitólio, o Rex, o Rivoli, o Vitória, o Palácio, o Metro Passeio, o Plaza e o Colonial. Hoje em dia, apenas o Odeon, mesmo com alguns problemas, mantém o charme de outras épocas.

A Praça Floriano passou a ser o epicentro da vida cultural do Rio de Janeiro. No seu entorno, foram abertos além dos, teatros (como o Rival), bares, restaurantes... Naquela época, as salas de exibição costumavam oferecer espetáculos teatrais antes de iniciar a sessão do filme, e que músicos tocavam ao vivo em suas antessalas. Toda essa movimentação fez florescer companhias teatrais, como a de Procópio Ferreira, e grupos musicais como Os Oito Batutas, de Pixinguinha.

Com sua polícia de costumes visando reprimir a vida noturna na região central, onde também se concentravam inúmeros cabarés e inferninhos, Getúlio Vargas deu início ao processo de transferência do polo cultural da cidade para a Zona Sul. Além disso, desde a década de 1940, os exibidores começaram a abrir dezenas de outras salas de cinema pelos mais diversos bairros cariocas . como Copacabana, Tijuca, Catete e Méier, que passaram a oferecer os mesmos tipos de entretenimento, além de cultura e serviços, antes encontrados apenas no Centro da cidade. A entrada da televisão nas residências também contribuiu para a diminuição da frequência nos cinemas e para a deterioração desses espaços, por não precisarem mais atender de uma vez um grande número de pessoas. Muitos cinemas fecharam e o desaparecimento de estabelecimentos comerciais tradicionais mais requintados, como cafés e casas de chá, frequentados por um público mais selecionado, em substituição por outros tipos de comércio – como tabacarias, bancos e bares –, levou a uma mudança do tipo de público que acabou modificando a relação da população com o local e com os espaços públicos. A mudança da Capital Federal para Brasília, em 1960, representou mais uma contribuição ao processo de decadência

O esvaziamento da Cinelândia como epicentro da vida cultural do Rio de Janeiro coincidiram com o início de grandes manifestações políticas que ali passaram a acontecer. Em 1942, por exemplo, foi palco da campanha a favor da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados, contra as forças nazi-fascistas, e, entre 1947 e 1953, das manifestações em defesa da soberania nacional que criaram o slogan “O Petróleo é Nosso”. Em 1967, também foi o ponto culminante da chamada Passeata dos Cem Mil, convocada em protesto contra a ditadura militar e a morte do estudante Edson Luís. Na década de 1980, inúmeras outras manifestações pela redemocratização acabaram consolidando a Cinelândia como espaço de protesto e de expressão política da população carioca. É comum ver reuniões de militantes das mais variadas causas na praça até hoje em dia.

Nas décadas de 1960 e 1970, a cidade experimentou um movimento de intensa verticalização no centro. O projeto paisagístico original da praça foi profundamente alterado no final dos anos 1970, quando as obras de construção da estação Cinelândia do metrô obrigaram a instalação de grandes saídas de ar. Ao término dessas obras, foi demolido o Palácio Monroe, antiga sede do Senado Federal. No terreno do palácio, encontra-se hoje um chafariz monumental, conhecido atualmente como "Chafariz do Monroe", na Praça Mahatma Gandhi (Rio de Janeiro). A praça da Cinelândia sofreu perdas significativas em sua ambiência, onde foram desfiguradas sua qualidade estética dos tempos áureos, sua história e sua identidade

Nas décadas de 1980 e 1990 se acentua o processo de decadência do centro da cidade com o agravamento das crises econômica, social e urbana. A deterioração dos espaços públicos foi causada: pela diminuição dos investimentos do poder público em manutenção, pela invasão de veículos devido à falta de locais para estacionamento e por sua ocupação pelo comércio ambulante e moradores de rua. Junto à falta de segurança, esses fatores representaram uma ameaça à imagem e identidade de áreas públicas como a Cinelândia, transformando a relação da população com esses espaços, que passaram a se configurar na maior parte do tempo em locais de passagem.

Nos anos 2000, ocorreu uma mudança da qualidade do público, aumentando a frequência de estudantes, artistas e políticos, após investimentos em projetos que sinalizavam para a reversão do quadro de decadência, como a reforma do Cine Odeon, a construção da garagem subterrânea sob a Praça Mahatma Gandhi, a inauguração do Centro Cultural da Justiça Federal, a revitalização do Amarelinho e o crescimento das atividades ligadas à cultura. Atualmente a circulação de pessoas e o tipo de público são determinados pelos dias da semana e horários em relação às diferentes atividades ali desenvolvidas.

Apesar das medidas de preservação e revitalização, esse conjunto e seu entorno vêm sendo ameaçados pela falta de conservação e manutenção dos edifícios e espaços públicos. Os investimentos do Poder Público são ainda insuficientes e colaboram para a deterioração progressiva desse espaço. São necessárias ações para incentivar atividades que atraiam mais frequentadores e valorizem seu potencial econômico, cultural e turístico, ainda pouco explorado.



Monumentos e Bustos


Busto de Getúlio Vargas




Estátua de Carlos Gomes


Bustos de Juscelino Kubitscheck e Francisco Serrador

Busto do engenheiro Paulo de Frontin


Monumento em Homenagem ao Marechal Floriano Peixoto


Obelisco


REFERÊNCIAS

RIBEIRO, Fernanda de Azevedo. A Cinelândia através do tempo. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n. 245.02, Vitruvius, dez. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.245/7972>.



297 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2_Post
bottom of page