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CONFEITARIAS NO RIO ANTIGO - ADOÇANDO O CORAÇÃO DOS CARIOCAS

Atualizado: 15 de jun. de 2021



A história da confeitaria no Brasil, se desenvolveu tendo como pano de fundo a miscigenação tão característica de nosso país. A princípio, os doces portugueses se difundiram, mas logo foram sendo enriquecidos por ingredientes nativos, como frutas em geral e mandioca. O ciclo da cana-de-açúcar teve papel fundamental, pois havia abundância de matéria prima para a produção de doces.

Nos engenhos e fazendas, fazia parte do lazer das Sinhás o preparo de doces, bolos e compotas, além de ser uma habilidade fundamental para as jovens. As ordens religiosas portuguesas também tiveram grande influência. Trouxeram o hábito de produzir doces nos conventos. Em Portugal, foram os conventos os responsáveis pelo desenvolvimento das melhores técnicas de cozinha, pois há séculos serviam de hospedagem para Reis e Rainhas quando viajavam. Por outro lado, quando o Marques de Pombal impôs sérias restrições financeiras às ordens religiosas, estas começaram a produzir doces para vender e garantir sua sobrevivência.

No Brasil, incorporou-se a mandioca às receitas, muitas vezes em substituição à farinha de trigo, ingrediente escasso. O uso do leite de coco, costume trazido pelos escravos de Moçambique, também marcou nossa confeitaria. Os primeiros doces genuinamente brasileiros foram o pé-de-moleque, a paçoca a rapadura, a mãe benta (espécie de broa), a cocada, os Quindins de Iaiá, além dos bolos de mandioca. O primeiro bolo de farinha a se adaptar no Brasil foi o Pão-de-ló, de origem portuguesa. Rapidamente, tornou-se bastante popular, e até hoje, é um dos preferidos para bolos recheados. Antigamente, e sobretudo em Portugal, era hábito consumir o pão-de-ló em fatias, torradas, acompanhando o chá, café ou vinho do Porto.

A segunda metade do século XIX é marcada por um intenso processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro. A busca pelo espaço público como local de vivência social e valorização das atividades de lazer começou a tomar forma. O crescimento e a diversificação do mercado do entretenimento, teve destaque com teatros, circos, bailes, práticas esportivas e uma estrutura pública de alimentação, como as confeitarias. Estas, em geral, exerciam funções muito mais amplas que o simples preparo e a venda de doces, portando-se também como padarias e armazéns. Os principais frequentadores eram os integrantes de camadas sociais de maior poder aquisitivo ou os componentes de fatias medianas em ascensão. Frequentar confeitarias poderia ser interpretado como a representação de hábitos modernos, evoluídos e requintados, adequados a um país e a uma cidade que buscavam progredir.

A partir do século XIX, com a ampliação da cidade do Rio de Janeiro e o trânsito estrangeiro cada vez mais presente, a influência francesa na confeitaria brasileira se tornou mais nítida através dos doces mais requintados dos confeiteiros franceses. As sinhás doceiras, os negros quituteiros e os mulatos boleiros sofriam com a competição com pasteleiros e pâtissiers (chefs pasteleiros franceses) . Em meados do século, os confeiteiros franceses e italianos passaram a ter mais importância para a alta sociedade fluminense do que a doceira de casa. O Segundo Reinado (1840-1889) pode ser considerado a época de maior popularização das confeitarias. Elas faziam cada vez mais sucesso no Rio de Janeiro, sendo representantes de refinamento e da modernidade inspirados no antigo continente. Foi neste período que o número de estabelecimentos mais refinados e dirigidos por pâtissiers franceses e italianos prosperou.

Várias funções eram exercidas pelas confeitarias, que iam além da fabricação, comércio, local de consumo de doces e guloseimas. Outras atividades comerciais eram realizadas tais como: refinadoras, depósito de açúcar, pastelaria, padaria, armazém de molhados. Em alguns casos, até sorveteria, café, charutaria e bilhares. Além disso, esses empreendimentos recebiam também encomendas para bailes, soirées, jantares e ceias, assim como de doces para os mesmos eventos e ainda para batizados e casamentos, aceitando encomendas tanto para a Corte quanto para fora dela. As confeitarias também ofertavam aluguel de utensílios e louças para banquetes e bailes. Outro serviço ofertado eram as áreas privativas, talvez como uma possibilidade de distinção ou status social. Esta era uma prática bastante recorrente entre os espaços de alimentação, demarcando territórios diferenciados no interior dos comércios. Em algumas confeitarias, encontrava-se disponível um salão para servir excelentíssimas famílias e até um jardim de recreio.

O progresso do nosso país exigiu grandes inovações recreativas. Para fazer juz a isso, os estabelecimentos faziam todos os esforços para serem ricos e esplendidamente decorados, com boa localidade, espaçosas e arejadas salas, e se possível um jardim em frente. Destacavam-se pela ordem e pelo asseio, com magníficas decorações e pintura dando um aspecto quase palaciano. Segundo O Diário de Notícias, eram pontos de rendez-vous da moda, da elegância, do high-life, à disposição do mundo elegante.

O requinte da época era tomar sorvete. Os sorvetes mais afamados eram os da Confeitaria Carceler, na Rua Direita, atual Primeiro de Março. Essa confeitaria era ponto preferido de reuniões, não somente da mocidade do tempo, como também dos políticos e das altas notabilidades. O Imperador tinha o costume, depois de ir à missa nas igrejas na quinta-feira, de ir ao Carceler para tomar sorvetes. Foi a Confeitaria Carceler quem inaugurou no Rio a moda de se colocarem mesinhas e cadeiras na calçada, em frente ao estabelecimento, assim como nas ruas parisienses. Foi um sucesso, que logo firmou a popularidade da casa. O sorvete no Brasil chegou primeiro no Rio de Janeiro. Contam que um navio chegou com 270 toneladas de gelo e dois comerciantes compraram o carregamento, passando a misturá-lo com frutas e vender em determinados horários. Os horários eram anunciados previamente, pois o consumo do sorvete deveria ser imediato. O gelo era envolto em serragem e enterrado em grandes covas para que não derretesse. Ele chegava a durar cinco meses, tempo suficiente para que os sorveteiros mantivessem na população carioca o gosto pelo sorvete.







As confeitarias também estavam diretamente vinculadas aos divertimentos. Cabia a elas várias funções, como a venda de ingressos para corridas no Jockey Club, para touradas e para concertos. Algumas comercializava cartões para teatro, composições para piano e canto; outras vendiam folhetins e ingressos para circo. Os jogos também foram presença marcante. Algumas confeitaria possuíam charutaria, bilhares, xadrez, bagatelas e até prática de tiro ao alvo.

Os clientes/frequentadores destes espaços representavam a própria diversidade social do Rio de Janeiro Imperial. A sociedade carioca era caracterizada por dois estratos: um composto de fazendeiros e comerciantes brancos, pessoas poderosas e ricas – e outro composto por negros e mulatos, trabalhadores rurais, empregados domésticos, artesãos, braçais da lavoura, trabalhadores urbanos, meeiros empobrecidos e pequenos sitiantes. Definitivamente, o segundo grupo era mais populoso que o primeiro.

Os produtos importados comercializados nas confeitarias eram geralmente consumidos pelo primeiro grupo e pela nobreza (fidalgos, burocratas, embaixadores) e por estrangeiros, que faziam questão de consumir iguarias a que estavam acostumados na terra natal. Os estabelecimentos de segunda ordem, eram frequentados por clientes menos remediados que compareciam a esses lugares cada vez mais comuns e diversos. O próprio desenvolvimento de um mercado de entretenimento, que incluía os ambientes de alimentação, se encarregava de agregar o maior número possível de consumidores.

As confeitarias passam a ser frequentadas cada vez mais, por mulheres que conquistavam gradativamente o cenário público. Além da presença marcante de cavalheiros, esses locais eram também visitados por senhoras acompanhadas pela família, todos dispostos a degustar sorvetes, nevados, doces, pastéis e vinhos. A participação feminina na vida pública e social era um processo em pleno desenvolvimento na segunda metade desse século. A urbanização e o alargamento de um melhor sistema de transporte (com o surgimento do bonde, primeiro à tração animal e depois elétrico) “convidavam” as mulheres à rua, aumentavam sua possibilidade de mobilidade e criavam contrapontos à tradicional ideia de confinamento doméstico. A presença feminina se tornou cada vez mais constante nas competições esportivas, no teatro, no cinema, nos parques públicos, nos restaurantes e confeitarias da Corte.

As ruas do centro do Rio passaram a ser pontos que, além de comerciais, eram sociais. Era o palco predileto daqueles e daquelas que queriam ver e serem vistos, a exemplo da metrópole mais famosa à época, Paris. Um novo comportamento social e cultural foi ocasionado. A população se viu repentinamente diante de novos desafios e do envolvimento com novos hábitos europeizados, que modernizaram a vida cotidiana. Já em torno de 1850, a vida social da capital apresentava toques de requinte, com grandes salões de festas, mobiliário à francesa e música através do piano, caracterizando um período de festas, bailes e saraus. Os teatros também já se encontravam em atividade. Com os horários estendidos de trabalho no comércio e a própria busca pela diversão, o hábito de comer fora de casa foi ampliado, proporcionando a constituição e expansão de espaços voltados para esses fins, como as confeitarias. Mais do que uma necessidade fisiológica, alimentar-se na esfera pública passou a estar associado fortemente ao lazer e divertimento.

Os novos moradores estrangeiros aplicaram um inédito ritmo à cidade e foram responsáveis pela inauguração de novos espaços de alimentação, Aliado às diferentes especificidades regionais brasileiras, esse hibridismo cultural nacional, se refletiu nas práticas alimentares. Ingleses e franceses se instalaram no Rio de Janeiro dando feição nova ao comércio que, até então, era dominado pelos portugueses. Os lusitanos eram os principais proprietários. Os “armazéns, cafés, bares, padarias, açougues, leiterias, quitandas, papelarias, armarinhos pertenciam, em sua maioria, a estes imigrantes, que os administravam juntamente com seus familiares mais próximos.

Os ingleses se destacavam como atacadistas e possuíam armazéns localizados principalmente na rua Direita, atual Primeiro de Março. Eles também foram fundamentais para o processo de modernização da cidade, principalmente com as suas empresas importadoras e responsáveis por inovações como a energia elétrica e os primeiros bondes. Já os franceses estavam inseridos de forma mais enfática no comércio a varejo, nas ruas dos Ourives e Ouvidor, com lojas reconhecíveis pela graça dos mostruários e elegância do arranjo interno. Eles transformaram o comércio e criaram novas necessidades, hábitos, usos e práticas no cotidiano da cidade.

A culinária francesa ou ao menos a referência a este país se destacava nos restaurantes e confeitarias da Corte. É bem verdade que a França teve um forte prestígio, principalmente cultural, sobre grande parte do mundo ocidental, o que incluía a culinária no Brasil. O Rio de Janeiro buscava, se espelhando na capital francesa, ser uma “Paris-sur mer na sua vertente tropical”. Mesmo que os resultados, fossem um tanto distantes da “cidade luz”, o prestígio que os hábitos franceses exerciam sobre a capital fluminense do século XIX é inegável.

Esse status parece se comprovar quando verificamos que vários anúncios eram publicados em francês, como uma provável tentativa de vincular o estabelecimento a um refinamento superior. É bem possível que grande parte da população não tivesse acesso a esses locais que apresentavam em seus menus uma série de pratos tradicionais franceses considerados refinados. A aproximação com a França não era uma característica única dos restaurantes. As confeitarias também mostravam grande predileção pelas receitas francas.

Da França, além das receitas, também chegavam equipamentos para as confeitarias fluminenses. Os equipamentos eram empregados na França para a fabricação de chocolates de qualidade superior e de altos preços, porém a facilidade de se encontrar o cacau no Brasil fazia com que se fabricasse um ótimo chocolate com preços bem mais em conta que na Europa


REFERÊNCIAS


Karls, Thaina Schwan O RIO DE JANEIRO À MESA: A ALIMENTAÇÃO NOS RESTAURANTES E CONFEITARIAS DO SÉCULO XIX (1854-1890) Rev. hist. (São Paulo), n.178, a00618, 2019

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2019.142528 Thaina Schwan Karls*



Karls, Thaina Schwan História e alimentação: as confeitarias no Rio de Janeiro do século XIX (1854-1890). Revista Ingesta | São Paulo - v1 . n1 - mar . 2019


https://jeonline.com.br/coluna/1112/a-confeitaria-no-brasil

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