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PARTE 1 - DOS "TURCOS" AOS CHINESES NO SAARA - A HISTÓRIA DE PARTE DA IMIGRAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Gabriel Habib, um dos pioneiros libaneses no comércio do SAARA


A primeira leva de imigrantes que marcaria definitivamente a área do SAARA, começou a chegar ainda no final do século XIX. Ela correspondia a um movimento de diáspora, constituída por sírios e libaneses, expulsos de seus países de origem pela conjuntura política de subordinação aos turcos otomanos, atividades econômicas (agricultura e pecuária de subsistência) em crise, colapso da pequena propriedade rural provocado pelo avanço do capitalismo no campo, superpopulação nos campos e nas cidades, tensão religiosa entre cristãos e muçulmanos, perseguições políticas, fome etc. Eram, em sua maioria, cristãos ortodoxos ou maronitas, e, em menor quantidade, mulçumanos. Como chegavam com passaportes da Turquia, passaram logo a ser identificados com “os turcos”. Particularmente na década de 1920, chegou ao Brasil um grande fluxo migratório constituído, sobretudo, por sírios e libaneses, que se fixaram inicialmente na Rua da Alfândega e nas imediações da Praça da República.

Os sírios e libaneses não contavam com qualquer auxílio de organizações estatais, e poucos emigravam trazendo toda família. A viagem era custeada pelos próprios imigrantes (o que caracterizava a chamada imigração espontânea); muitos deles saíram com pouquíssimo ou nenhum recurso que garantisse o pronto estabelecimento em seu novo destino.

A decisão era do indivíduo, mas tomada com a participação da família ou com sua aprovação. A estratégia escolhida era tentar juntar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo possível e voltar para casa. Os relatos dão conta que mesmo pouco dinheiro já era algo notável nas áreas rurais do Líbano e da Síria, onde a economia era pouco monetarizada. Os ‘torna-viagem’ ou mesmo aqueles que enviavam dinheiro da América para suas famílias adquiriam grande prestígio na aldeia natal, principalmente junto aos vizinhos, que já preparavam seus filhos para a emigração. Normalmente o dinheiro era usado na compra de terras ou no aumento do rebanho

Os sírios e libaneses que chegavam ficavam em um hotel que na Praça da República, entre as ruas da Alfândega e a desaparecida General Câmara. Encontravam hospedagem e alimentação barata, além de reverem parentes e semelhantes. Os imigrantes que chegavam passavam por adaptações e aclimatações. Instalados no Brasil, esses imigrantes até tentaram outros tipos de trabalho, como o rural, a exemplo de italianos, alemães e japoneses. Entretanto, o talento deles era mesmo para as vendas.

Embora a maioria dos sírios e libaneses que chegou ao Brasil fosse formada por agricultores, a estrutura fundiária do país, baseada nas grandes propriedades e na monocultura, a carência de terras disponíveis a baixos preços e os parcos recursos financeiros trazidos por eles inviabilizaram sua fixação no meio rural. Como eles também não se enquadravam na categoria de operários urbanos, ficaram à margem do perfil idealizado pela política imigratória brasileira. Esses imigrantes concentraram-se sim nos centros urbanos, mas nele desenvolveram atividades relacionadas ao comércio, seja primeiro como ambulantes (mascates), ou mais tarde em negócios regularmente estabelecidos.

Para sustentar suas famílias, eles começaram a trabalhar como mascates. Os mascates tiveram grande importância na disseminação do comércio ambulante do Brasil. Nos primeiros anos de atividade, os mascates, em visita às cidades interioranas e principalmente às fazendas, levavam apenas miudezas e bijuterias. Mas com o passar do tempo e o aumento do capital, começaram também a oferecer tecidos, lençóis, roupas prontas, entre outros artigos. Conforme acumulavam os ganhos, os mascates contratavam um ajudante ou compravam uma carroça; o passo seguinte era estabelecer uma casa comercial. Foram eles que introduziram as práticas da alta rotatividade e alta quantidade de mercadorias vendidas, das promoções e das liquidações. Vendiam a prestações, tendo como garantia de crédito a palavra.

O conteúdo dessas malas que os mascates carregavam nas costas deu origem à palavra ‘armarinho’, pois se tratava de um verdadeiro armário com duas tiras de couro para alçar aos ombros e transportar nas costas. Com essas andanças comerciais, muitos dos antigos ambulantes conseguiram fazer fortuna no Brasil, tornando-se grandes empresários. As vendas ambulantes passaram a ter um ponto fixo.

Esses comerciantes se instalaram na Rua da Alfândega. O local, em meados do século XX, não era dos mais agradáveis. Contudo, a insegurança e a sujeira do lugar foram dando espaço para as lojas, que, sobretudo, comercializavam tecidos e materiais para costura. Gabriel Habib, dono da loja “Gabriel Habib e Filhos”, foi o primeiro a perceber que os negócios melhorariam se ele vendesse à varejo, não em atacado. Os outros vizinhos de loja fizeram o mesmo e passaram a lucrar cada vez mais.

A progressiva chegada de novas levas de imigrantes conferiu a essa área do centro do Rio uma forte marca . Os imigrantes sírios e libaneses ocuparam a região de uma forma intuitiva e espontânea e ali reproduziram um espaço de moradia e trabalho próprios de seus países de origem. Criaram uma organização espacial de natureza étnica manifestada na forma de comercializar, na estética e na própria seleção dos bens oferecidos. Os restaurantes árabes, os cafés onde os imigrantes se reuniam, jogavam gamão, fumavam o narguilé e tocavam o alaúde, as lojas de especiarias com os nomes escritos em caracteres árabes imprimiam ao local suas marcas étnicas. Sob uma forte vontade de preservação da sua identidade, os imigrantes fizeram do espaço do SAARA uma verdadeira ilha árabe em pleno centro do Rio

Se nos primeiros anos do século XX, a Rua da Alfândega e adjacências concentrava a imensa maioria dos sírios e libaneses residentes na então capital da República, nos anos 1920,esses imigrantes já se distribuíam em praticamente todos os distritos que formavam a cidade. Mas era ainda no centro da cidade, principalmente nas freguesias de Sacramento, Santana e Santo Antônio, que se concentrava a maioria dos imigrantes sírios e libaneses.

Mais da metade dos sírios e libaneses morava nos sobrados da Rua da Alfândega e adjacências; se fosse levado em conta todo o centro da cidade, inclusive a Gamboa, na vizinha área portuária, e os arredores da Candelária e do Largo da Carioca, essa participação alcançava a marca de 62%. Os 38% restantes se distribuíam por toda a cidade, porém, em maior concentração na Zona Norte e subúrbios, especialmente no Andaraí, e em Irajá com 11% do total

Entre 1926 e 1930, os sírios e libaneses dominavam o comércio de tecidos na Rua da Alfândega e suas imediações, controlando 36 estabelecimentos de um total de 80. Eles investiam também em outros ramos que apresentavam bom potencial de crescimento, como sapatarias, alfaiatarias e restaurantes.

A crise mundial de 1929 foi responsável pela falência de muitos comerciantes; entre aqueles que conseguiram resistir, alguns se transferiram para bairros residenciais. Andaraí, Irajá e Méier, na zona norte da cidade, eram os preferidos dos árabes no final da década de 1930. Nesta mesma época, também se observava importante concentração deles em outros bairros cariocas, sobretudo Campo Grande e Copacabana. O deslocamento desses imigrantes para outros pontos da cidade foi fruto, na realidade, de um processo de ascensão socioeconômica e, simultaneamente, da separação do local de residência do local de trabalho. Com efeito, a mudança para outros bairros cariocas representou sobretudo a fixação de suas residências em novos endereços. Suas atividades comerciais continuaram concentradas, sobretudo, nas ruas do Centro, embora não necessariamente nos mesmos endereços.

Nesse momento de expansão dos negócios e de ascensão na pirâmide social, a cidade não era mais percebida, evidentemente, como um mero ‘local de passagem’ ou fonte de acumulação de riquezas. Constituir famílias, requerer a naturalização, fundar clubes e instituições religiosas e culturais são os reflexos mais visíveis de uma clara intenção de permanecer e de se integrar à sociedade carioca.

A concentração demográfica de sírios e libaneses e seus descendentes na Tijuca e outros bairros da Zona Norte (como Andaraí, Maracanã e Grajaú), majoritariamente de classe média, em 1940, é reveladora de um evidente processo de mobilidade social, calcado na expansão das atividades comerciais de um número expressivo de imigrantes e seus filhos. Aqueles que conseguiram acumular mais puderam se deslocar para os bairros praianos da Zona Sul, marca evidente de sucesso econômico e social. Morar no Leme, Copacabana e logo em seguida Ipanema, em arranha-céus de dez andares, com porteiros e elevadores, era o sonho de consumo e símbolo de status de ricos e emergentes de todo o país. À medida em que a comunidade síria e libanesa da cidade começou a crescer, foram fundadas algumas associações para desempenhar diferentes funções, tais como promover os serviços religiosos, estimular a prática esportiva e amparar aos necessitados.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


A Imigração Sírio-Libanesa no Rio de Janeiro no Século XX

- Os Sírios e Libaneses no Brasil

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