top of page
Buscar
Foto do escritordanielericco

FEIRA DE SÃO CRISTOVÃO - UM PEDACINHO DE SAUDADE NO RIO DE JANEIRO




"O Campo de São Cristóvão

É palco de tradição

Dos primeiros nordestinos

Que deixaram seu torrão

Sua família querida

Vieram tentar a vida

Viajando de caminhão"

(SANTOS, AZULÃO: s/d, p 1)

A Feira de São Cristóvão começou a se desenvolver, entre as décadas de 1940 e 1950, em torno do ponto de desembarque dos pau de araras. Ali, no espaço aberto do Campo de São Cristóvão, a Feira funcionou como um pequeno comércio de produtos do Nordeste por mais de cinco décadas até a sua transferência para o Pavilhão de São Cristóvão onde funciona desde 2003 como Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas.

Concentrando, nos seus primeiros tempos, uma parcela expressiva dos recém chegados, o local logo se transformou em espaço referencial da migração nordestina na cidade. Naquele pedacinho de Nordeste no Rio de Janeiro os conterrâneos se reuniam para comprar produtos típicos, encontrar familiares e conhecidos, estreitar laços de sociabilidade e lembrar da terra natal. Embora situada em uma das regiões mais centrais do Rio de Janeiro, a Feira de São Cristóvão, até sua incorporação em 2003 à esfera da administração municipal, foi sempre tratada como uma área marginal em relação ao restante do território da cidade,

Destaca-se a figura do cordelista, como “Homem memória”, representante e porta-voz da comunidade frequentadora da Feira, habituada a se reunir em torno das bancas dos poetas para escutar histórias que lhes traziam lembranças da terra natal. Impressas em folhetos de cordel, essas histórias, eram contadas ou cantadas em voz alta pelos cordelistas que misturavam ao repertório tradicional do romanceiro nordestino, narrativas sobre as peripécias dos migrantes no Rio de Janeiro: suas lutas cotidianas para conviver com a sociedade local, sobreviver na cidade grande e preservar sua cultura, ativa nos seus espaços de trabalho e sociabilidade.

A luta iria se manifestar contra os poderes hegemônicos, da polícia, em suas habituais intervenções no funcionamento da Feira, das autoridades municipais, em suas frequentes ameaças de extinção ou remoção da Feira para outros locais, dos jornalistas, em suas constantes denúncias às irregularidades verificadas no local. Espaço, por décadas, não reconhecido pelo poder público, mal visto pelo conjunto da sociedade e praticamente ignorado pela mídia. É essa geração de artistas que participou ativamente do processo de transferência da Feira do seu local de funcionamento original para o interior do Pavilhão de São Cristóvão onde passou para à esfera da administração municipal.

Ponto de convergência entre o Nordeste o Rio de Janeiro, a Feira de São Cristóvão, popularmente conhecida como “Feira dos paraíbas”, funcionou, durante várias décadas, no Campo de São Cristóvão considerado o lugar onde o nordestino, que havia deixado a sua casa em busca de novas oportunidades, se reencontrava com os seus conterrâneos, com as músicas, as comidas, as bebidas, os jogos, os objetos que lembravam o seu passado, a sua terra natal.

A Feira, hoje funcionando no interior do Pavilhão de São Cristóvão, surgiu entre os anos 1940 e 1950 na praça onde se situa o referido prédio, em construção na ocasião. Na época, enormes contingentes da população carente do Nordeste, em busca de trabalho e melhorias de condições de vida, chegavam às grandes cidades do Centro-Sul do país onde se concentravam os capitais financeiros, as indústrias e as ofertas de postos de trabalho. As opções de trabalho eram: ou nas fábricas que surgiam, ou na construção civil, pois era uma época de pleno crescimento dos centros urbanos, e os mestres de obras vinham atrás de mão de obra não qualificada, ou seja os nordestinos. Muitos vieram atraídos pela construção da estrada Rio- Bahia (BR-116). Diante das ofertas de empregos, eles chamavam seus conterrâneos para virem para cá também em busca de melhores condições de vida.





A sociedade carioca via com maus olhos os recém chegados, reveladores do atraso em que permanecia mergulhada a maior parte do país. O Rio de Janeiro – como modelo daquilo que o “Brasil, país do futuro” - deveria ser a cidade moderna revelada nas páginas das revistas, com cenas de transeuntes circulando pelas ruas, automóveis em ritmo frenético, prédios altos, praias, guarda-sóis, mulheres de biquíni e calças compridas. Excluídos dos espaços freqüentados pela elite, os migrantes nordestinos responsáveis pela construção dos imponentes edifícios que modificavam a paisagem da “cidade capital”, passaram a se apropriar das suas áreas antigas e desvalorizadas.

O Campo de São Cristóvão, outrora cercado por residências aristocráticas, foi um deles. Abandonado pela elite, que trocou os tradicionais sobrados pelos edifícios altos construídos nos bairros novos surgidos à beira-mar, o local se transformou em ponto de encontro dos nordestinos recém chegados ao Rio de Janeiro com os seus conterrâneos estabelecidos há mais tempo na cidade. Era o Nordeste que ressurgia no cheiro do sarapatel, nos objetos coloridos vendidos em esteiras estendidas pelo chão, nos acordes da viola, nos falares típicos e, acima de tudo, nas vozes dos poetas que traziam de volta as histórias que, desde a infância, o público ali reunido se acostumara a ouvir nas feiras e mercados de sua terra natal.

A Feira de São Cristovão retratava toda a saga dos “retirantes das secas”, a trajetória dos migrantes que decidiram deixar o Nordeste para tentar a vida nas regiões mais ricas e adiantadas do país, a dor do nordestino que é obrigado a deixar o seu mundo para tentar a vida em outro lugar, após esperar mês a mês a chuva chegar, de ter visto a terra secar e o gado morrer e de ter sido obrigado a partir para não sucumbir à fome e à sede e tentar sobreviver decentemente. Na expressão de cada nordestino se percebia a dor da separação da família, as aventuras e desventuras da viagem e as dificuldades enfrentadas na chegada ao Rio de Janeiro

Sujeito ao desconforto da travessia feita na carroceria do “pau-de-arara”, à exposição ao sol e à chuva, à má alimentação, às doenças, e a vários outros imprevistos e dificuldades, ele por fim, chega ao seu destino. Ao desembarcar no Campo de São Cristóvão, última parada dos caminhões antes de retornarem ao Nordeste com a carga de mercadorias necessárias ao abastecimento dos mercados da região, o recém chegado se deparava com a dura realidade da cidade grande.

A área de São Cristovão começou a concentrar um grande número de nordestinos carentes de ajuda e em busca de algum meio para sobreviver na cidade. Sem emprego, sem família, sem lugar para se instalar, muitos permaneciam vários dias após a chegada perambulando pelas redondezas na tentativa de conseguir comida, um cantinho para morar, um trabalho ou, como acontecia com freqüência, algum dinheiro para a retirada da sua mala, mantida como caução, pelo motorista do “pau-de-arara”, enquanto não fosse efetivado o pagamento da viagem. Dormindo em baixo de árvores enquanto esperavam surgir alguma ocupação ou algum parente para pagar sua passagem, liberar sua bagagem e os levar para outro lugar, muitos migrantes tiveram que se sujeitar a praticamente acampar nas imediações do local onde tinham desembarcado. Nesse local nasceu um pequeno comércio de produtos do Nordeste, uma feira informal, estabelecendo um sistema de trocas de encomendas e venda de produtos



Território a parte no espaço da cidade, a Feira de São Cristóvão era vista, por seus observadores externos, como um mundo isolado, alheio às regras de civilidade e mesmo de legalidade. A imagem de aparente desordem e informalidade da Feira de São Cristóvão era motivo, não só, de reações de estranhamento, como também de inúmeras ações que foram movidas contra a sua permanência no Campo de São Cristóvão no tempo em que ali funcionou. A Feira , durante muito tempo se viu isolada das ações do poder público local, sem qualquer apoio dos órgãos públicos: teve que implantar banheiros, água corrente, segurança, equipes de limpeza entre outras ações. As ações de remoção e suas respectivas reações, expressas nas lutas dos feirantes, cordelistas e freqüentadores para mantê-la no local original, constituem capítulo a parte na história da Feira que desde o início do seu funcionamento, no ano de 1945, foi objeto de intervenções por parte dos órgãos de fiscalização.

A repressão constante às atividades da Feira acabou mobilizando um grupo de feirantes que, em 1961, criaram uma organização voltada para a proteção da comunidade migrante. Com os recursos arrecadados das taxas de anuidade pagas pelos sócios, a União Beneficente dos Nordestinos do Estado da Guanabara prestava assistência aos nordestinos necessitados, principalmente aos recém chegados sem trabalho e sem moradia. Através da articulação com o poder público, a União Beneficente prosperou e conseguiu, por um tempo, manter as atividades da Feira a salvo das investidas da polícia

A Feira começava a mudar de cara, a assumir um aspecto mais organizado. As mercadorias, por exemplo, antes vendidas em esteiras espalhadas pelo chão, passaram a ser expostas em tabuleiros alugados aos vendedores pela União. Em 1969, surgiu a Associação de Proteção ao Nordestino, criada com os mesmos propósitos da já atuante. A criação das duas organizações, a divisão da Feira entre estas, o uso das mesmas por partidos políticos interessados em extrair votos dos freqüentadores e feirantes trouxe à tona diversos conflitos.

A feira só foi legalizada em 1982, mas a legalização da Feira a tirou da clandestinidade, mas não significou o fim das ameaças de remoção. Em 1992, a Prefeitura tentou novamente remover a Feira do Campo de São Cristóvão para erguer no local um shopping center. Revoltado, um grupo liderado pelo cantador e cordelista Marcus Lucenna promoveu um movimento que resultou na Lei 2.052, mais conhecida como Lei Jurema, que no seu Artigo 1° estabeleceu que seria “criado no Campo de São Cristóvão o Espaço Turístico e Cultural Rio/Nordeste, ponto de interesse turístico, com a finalidade de promover a divulgação de aspectos culturais, sociais e folclóricos do Nordeste Brasileiro. A Feira de São Cristóvão, transformada, pouco tempo após a sua criação, se transformou em um dos maiores, senão no maior reduto de nordestinos fora do Nordeste.

A Feira de São Cristóvão, hoje Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. organizada dentro do Pavilhão de São Cristóvão), é um evento de grande porte que atrai milhares de pessoas que vão em busca da cultura nordestina, variedade de produtos entre artesanato, música, dança, literatura, comidas típicas; são 700 barracas fixas, em média 70.000 pessoas nos finais de semana, desde o almoço de sábado até o jantar de domingo. As ruas internas receberam o nome dos nove estados do Nordeste – Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Foram batizados com nomes de artistas, personalidades e cidades, os palcos – João do Vale, Jackson do Pandeiro e Pinto Monteiro; as Praças, Padre Cícero, Frei Damião, Mestre Vitalino, Câmara Cascudo e Catolé da Rocha. Além das estátuas de dois ícones nordestinos – Padre Cícero e Luiz Gonzaga

Apresentam-se ao vivo bandas de músicas autênticas, tocando forró, xote e xaxado. A culinária, é bastante diversificada: farinha, feijão de corda, inhame, queijo coalho, manteiga de garrafa, paçoca, macaxeira frita e cozida, carne de sol, Pato Guisado, Galinha Cabidela, Sarapatel, Baião de Dois, Arroz de Pirarucu, Feijão Tropeiro etc., sendo que a maioria dos produtos vem diretamente do Nordeste. A literatura é caracterizada pela literatura de Cordel - poemas que contam fatos cotidianos e satirizam personalidades. O artesanato está presente nos bonecos feitos de barro com características do folclore nordestino, e nas redes bordadas.















Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas

R. Campo de São Cristóvão - São Cristóvão, Rio de Janeiro – RJ

Horário de funcionamento

Segunda: FECHADO

Terça a Quinta: 10:00 às 18:00

Sexta e Sábado:10:00 às 06:00

Domingo: 10:00 às 20:00

https://www.facebook.com/feiradesaocristovaooficial/


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


Nemer, Sylvia. Feira de São Cristóvão: contando histórias, tecendo memórias. Doutorado em História Social da Cultura, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica, 2012 (tese)


Júnior,Elzário; Porto, Elizabeth Feira de São Cristovão: Patrimônio Cultural, Histórico e Artístico. Caderno Virtual de Turismo Vol. 2, N° 3 (2002)

209 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Komentarze


Post: Blog2_Post
bottom of page