A Ilha das Flores abrigou a primeira Hospedaria de Imigrantes do Brasil. Foi criada pelo governo imperial em 1883 e funcionou até 1966. Por ela passaram centenas de milhares de indivíduos que saíram de suas terras natais para uma nova vida no Brasil. A maioria dos imigrantes que chegou pelo Porto do Rio de Janeiro teve o primeiro contato com o país e com os brasileiros na Ilha das Flores. Dali eram transportados para várias localidades do pais. Em 2011, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) firmou convênio com a Marinha do Brasil para a criação do Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores. Hoje em dia, a Ilha pertence à Marinha e sedia a Tropa de Reforço dos Fuzileiros Navais.
Em princípios do século XIX a Ilha das Flores pertencia a Delfina Felicidade do Nascimento Flores e seria denominada de Santo Antônio. É possível que o seu nome atual decorra dessa proprietária, pois o local deveria ser conhecido como a "ilha da D. Flores" e com o passar do tempo ficou Ilha das Flores. Em 1857, a Ilha foi adquirida pelo Conselheiro e Senador do Império José Ignácio Silveira da Motta/ Ao adquirir a Ilha das Flores, Silveira da Mota tornou-a um lugar de experimentos agrícolas e de piscicultura. Desenvolvia-se ali a criação intensiva em seis tanques que comportavam até doze mil peixes.
Em 1883, a ilha foi vendida ao governo do Império A criação da hospedaria integrava o conjunto de políticas do Estado Imperial de fomento à imigração. Na ausência de hospedarias oficiais, o governo subsidiava particulares, uma delas situada no Baldeador, em Niterói. Ao longo de sua existência a Hospedaria da Ilha das Flores ficou a cargo de diversos órgãos federais. Inicialmente a imigração era de responsabilidade da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, a qual a Inspetoria estava associada. No ano de 1931, passou ao Ministério do Trabalho, sendo subordinada ao Departamento Nacional de Povoamento. Em 1954, retorna para a pasta da Agricultura, primeiro sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Imigração e Colonização, depois sob jurisdição da SUPRA (Superintendência de Política Agrária) e posteriormente, vinculada ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário. Em 1966, a Hospedaria foi extinta.
A grande maioria dos imigrantes que entravam no país pelo porto do Rio de Janeiro esteve, em breve estadia, na Hospedaria da Ilha das Flores. O Arquivo Nacional guarda os livros de registro da Hospedaria, entre 1883 e 1932. Neles constam os dados das datas de entrada e saída na Ilha, os nomes e idades de todos os que ali ingressaram (homens, mulheres e crianças), a nacionalidade, o porto de proveniência e o vapor, o meio de transporte e o destino para onde foram no Brasil
Depois de saírem de seu país de origem, os imigrantes europeus navegavam por aproximadamente 15 dias até chegarem à baía de Guanabara. Ainda no mar, recebiam a visita da inspeção sanitária e eram encaminhados em embarcações menores ao cais da Ilha das Flores. Assim que desembarcavam na Praça xv ou na Praça Mauá, os imigrantes eram conduzidos em pequenas embarcações até a Ilha das Flores, sendo encaminhados ao Serviço de Recepção de Hospedagem. Ali preenchiam um protocolo de identificação, que era o seu primeiro documento no Brasil. Após o registro, os imigrantes eram encaminhados ao Pavilhão Sanitário, onde ficava a farmácia, para os exames médicos. Existia também o Pavilhão Clínico, composto de hospital, maternidade e duas enfermarias. Para facilitar a comunicação entre os imigrantes e os funcionários havia intérpretes. Após os procedimentos médicos sanitários, os imigrantes recebiam roupas de cama e pedaço de sabão; em seguida, dirigiam-se para os respectivos alojamentos. Alguns, por consequência da viagem, eram encaminhados a uma das enfermarias para recuperação dasaúde e cuidar de doenças infecciosas adquiridas durante o trajeto.
No Refeitório eram servidas três refeições diárias: o desjejum, o almoço e o jantar. Havia ainda a Lavanderia, a Carpintaria, o Posto Telegráfico, o Necrotério e o Balcão de Empregos. A fase de recepção terminava com uma palestra, por meio da os imigrantes eram informados que deveriam achar um emprego dentro do prazo de oito dias, tempo máximo regimental que a Hospedaria se responsabilizaria por acomodá-los. Nesse sentido, havia um escritório, espécie de balcão de empregos. Vez por outra, empregadores apareciam na ilha com propostas de trabalho. Uma outra alternativa era o deslocamento para as cidades no entorno da ilha - São Gonçalo e Niterói - ou mesmo para a capital do país, em busca de trabalho.
Havia quatro pavilhões destinados a acomodar os imigrantes que chegavam à hospedaria. Três alojamentos, destinados aos imigrantes adultos do sexo masculino, concentravam-se na ala norte da ilha, próximo à caixa d'água. O outro alojamento localizava-se na ala sul, abrigando as mulheres e também as crianças que acompanhavam suas mães. Seus pertences eram guardados nas malas ou baús que traziam da Europa e ficavam depositados nos porões dos dormitórios. Todos os pavilhões sofreram modificações entre 1946 e 1947, mas foi o alojamento feminino objeto das maiores transformações, ganhando inclusive um segundo pavimento. Essas reformas proporcionaram mais conforto aos imigrantes que chegaram após o fim da II Guerra Mundial na Europa. O prédio sul ainda hoje é usado como alojamento daqueles que aí prestam serviço. Os outros prédios são usados como departamentos administrativos das várias companhias que compõem a Tropa de Reforço dos Fuzileiros.
Entre os vários profissionais que ali exerceram suas atividades havia médicos, cozinheiros, carpinteiros, telegrafistas, intérpretes e responsáveis por serviços administrativos. Os trabalhos na hospedaria começavam já de madrugada. A cozinha era responsável por fazer o café e começar os preparativos para o almoço. Ainda cedo, ligavam-se as caldeiras das embarcações que iriam ao Rio de Janeiro buscar mantimentos, funcionários e imigrantes. Seguiam-se os trabalhos diários: consultas médicas e odontológicas, envio de correspondências, limpeza e manutenção dos prédios. Todo esse trabalho só tinha fim quando eram guardadas as últimas peças da louça que serviam para alimentar até 3500 pessoas. Muitos funcionários, por suas funções, moravam na Ilha. Seus filhos brincavam entre os pavilhões, tomavam banho e pescavam na Baía de Guanabara, conviviam com homens vindos de outros continentes e de outras regiões do Brasil e se tornaram funcionários também.
Após a abolição da escravidão, o governo do estado do Rio de Janeiro incentivou a utilização do trabalho imigrante em larga escala. Tendo em vista a experiência da Hospedaria da Ilha das Flores, a administração fluminense criou órgãos congêneres visando acomodar aqueles trabalhadores que se dirigiam ao seu território: a Hospedaria de Niterói, na Ilha do Carvalho; a Hospedaria de Cabiúnas, em Macaé; e a Hospedaria de Boa Vista, no Vale do Paraíba. Em 1° de outubro de 1896, foi instalada na Ilha do Carvalho a hospedaria de Niterói, cuja função era receber os imigrantes que vinham para o Brasil com contrato para trabalhar no estado do Rio de Janeiro. A maioria desses trabalhadores era agricultor e veio com as suas famílias. O governo fluminense intermediava os contratos de trabalho entre os fazendeiros e os imigrantes. Aqueles que não atendiam às exigências dos contratos eram encaminhados à Hospedaria da União (da Ilha das Flores) e caracterizados como "recusados': A hospedaria de Niterói era considerada estratégica por sua localização, suas dependências e os serviços oferecidos aos recém-chegados. Ela contava com alojamentos, cozinha, farmácia, refeitórios e enfermarias. A hospedaria de imigrantes da Ilha do Carvalho teve curta duração e fechou em 1901. Durante o período de atividades da Hospedaria de Imigrantes, a Ilha das Flores teve também outros usos, especialmente o de presídio militar.
Em 1917, com a entrada do Brasil na guerra, em nome da Segurança Nacional, a Ilha das Flores foi transferida do Ministério da Agricultura para o da Marinha. Foi também nesse momento que, pela primeira vez, a ilha foi usada como presídio militar, com o recolhimento de tripulantes de navios alemães à ilha. A II Guerra Mundial, conflito deflagrado em 1939, causou a diminuição do afluxo de imigrantes para o país e influiu nas atividades da Hospedaria.
Em 1954 foi criado o Instituto Nacional de Imigração e Colonização e, com isso, a gerência da Hospedaria da Ilha das Flores retornou ao Ministério da Agricultura, órgão que detinha a jurisdição sobre o referido instituto. Gradativamente houve a diminuição do número de imigrantes ali alojados até o seu fechamento oficial em 1966.
Cessadas as atividades da Hospedaria, foi instalado na Ilha das Flores o Cenatre, Centro Nacional de Treinamento para oficiais militares administrado pela Marinha. Três anos depois o comandante Clemente Monteiro Filho montara, com um destacamento de fuzileiros navais, seu pequeno campo de concentração da Ilha das Flores
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
A Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores: história e memória - Luís Reznik UERJ/ PUC-Rio Rui Aniceto Nascimento Fernandes UERJ Henrique Mendonça da Silva UERJ
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