
As primeiras tabas da Guanabara a serem visitadas ou a manterem relações com os europeus foram provavelmente as dos marakaîas ou temiminós da ilha de Paranãpuã. Ou, como a chamariam os primeiros portugueses, a ilha do Gato (dos índios gatos), e muitos anos mais tarde, Ilha do Governador Salvador Correia de Sá, “o velho”. Isso nos leva à ideia de “( ilha) à frente do mar” ou “( ilha) com o mar em frente”, ou, numa interpretação livre, a “Ilha do Mar”, tem tudo a ver com a posição da Ilha do Governador em relação à Baía de Guanabara, sendo a maior e de frente para a entrada da Baía. Felizmente a Ilha do Governador, por sua importância histórica no contexto da fundação do Rio de Janeiro, é provavelmente uma das áreas mais estudadas do ponto de vista da arqueologia no Brasil. Pesquisas indicaram vestígios da presença tupi, como cacos de cerâmicas pintados em vermelho e preto, vértebras entalhadas que eram usadas como adorno, conchas furadas de colares e cortadas para servirem como facas, diversos ossos usados como utensílios domésticos.
O morubixaba dessa tribo foi imortalizado como grande amigo dos portugueses. Seu nome era Marakaîágûasu (Maracajaguaçu), o Grande Gato. O nome da tribo é referente à um felino, também conhecido como gato-pintado-do-mato, aparentado da jaguatirica e abundante na ilha. Esse grupo de nativos teria um papel muito preponderante na fundação da cidade do Rio de Janeiro ao aliarem-se aos portugueses
Acredita-se hoje que, antes da chegada dos europeus, os marakaîás não tivessem tamanha beligerância com os tupinambás da costa. Alguns poderiam até mesmo ser parentes distantes, uma vez que se autodenominavam como temiminõs, que em tupi significa “os descendentes”. Os inimigos históricos dos tupinambás da Guanabara invocados nos rituais de vingança eram os “tapuias” Guaîtakás (Goitacazes) que se situavam junto à foz do rio Paraíba do Sul e na atual região de Campos dos Goitacazes. Os maracajás temiminós de Paranãpuã surgem como inimigos preferenciais dos tupinambás já dentro do contexto do conflito luso-francês-tupinambá a partir dos anos de 1530 e que acabaria com a conquista definitiva das terras pela coroa portuguesa.
Existia um inconveniente na costa do Rio de Janeiro - apenas alguns lugares específicos dava acesso à água doce e esses lugares já estavam ocupados por aldeias que se espalhavam seguindo o curso dos principais ios da região, tais como o Carioca, rio Comprido, Inhaúma, Irajá, Meriti e Iguaçu, todos com foz direta dentro da baía. A numerosa presença nativa devia amedrontar a fixação dos primeiros núcleos de habitantes europeus na área do continente. Mesmo os franceses, aliados dos tupinambás, quando tentaram permanecer na Guanabara, escolheram se abrigar em uma ilha para construir uma fortaleza com manifesta intenção de se proteger principalmente dos portugueses, mas antes dos tupinambás, diferentemente de náufragos e degredados que só tinham como opção a total integração com a comunidade tupinambá,
Na frente da Grande Ilha existia um arquipélago formado por oito ilhotas que eram usadas para o cultivo de mandioca e outras culturas, e que muito possivelmente deviam ser compartilhadas por tabas tanto da ilha quanto do continente. Em meados do século XX essas ilhas seriam aterradas para dar origem à Ilha do Fundão, uma das sedes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Os marakaîás deviam sentir orgulho da terra que habitavam. Viviam em um dos melhores sítios da Baía de Guanabara e próximo a rios localizados ao fundo da baía, tais como Inhomirim, Saracuruna e Guapimirim, que abrangem as atuais áreas dos municípios de Magé, Duque de Caxias, Xerém e Guapimirim.
A ilha de Paranãpuã, por incrível que pareça, tinha maior quantidade de fontes d’água de fácil acesso do que em todo o continente. Existiam inúmeras fontes naturais ao longo da ilha, que jorravam dos morros diretamente para a praia. O outrora calmo e importante rio Jequiá ainda existe, mas infelizmente não passa de uma vala de esgoto a céu aberto. Sua nascente começa no Guarabu e percorre em sua extensão por volta de 2,2 km internamente a um canal coberto por laje concretada, desembocando no Saco do Jequiá.

O conflito entre tupinambás e maracajás se deu após o começo das plantações de cana-de-açúcar na capitania de São Vicente a partir da década de 1530 ocasionou uma busca por mão de obra. Até então todos buscavam fazer escambos com os estrangeiros. A tentativa de escravização de tupinambás ocasionou perseguição aos portugueses. Os marakaîás da ilha de Paranãpuã ajudavam os portugueses já havia muito tempo, tinham relações com eles e ficavam, até certo ponto, livres das trapaças e ataques. Por isso os tupinambás se aliaram aos franceses.
Pindobuçu, o grande
Os tupinambás teriam vencido os maracajás por volta de 1535. Subjugados, os da Ilha do Governador ainda permaneceriam nas terras de Paranãpuã resistindo a outros assaltos por pelo menos mais vinte anos. Durante esse tempo, o contato dos portugueses com os nativos maracajás não cessou. Em 1555, com a chegada da expedição de colonização francesa, a pressão se acirrou.
O líder guerreiro vitorioso sobre os inimigos maracajás era o cacique Pindobuçu, o “Pindoba Grande”, tão influente e importante entre os seus que a aldeia onde habitava guardava seu nome. O cacique Pindobuçu era um aliado importante, braço direito do capitão francês Nicolas Villegagnon e depois conquistar Paranãpuã leva sua gente para morar nas antigas terras marakaîás. É possível crer que Pindobuçu e seu grupo de guerreiros tenham participado ativamente da defesa do forte francês contra as tropas portuguesas de Mem de Sá em 1560. Pindobuçu só protegia os jesuítas pois se deixava seduzir pelos discurso do padre Anchieta, intrigado com o “poder” que aquele homem tinha com Tupã.
Eram ao todo cinco as aldeias tupinambás que passaram a habitar nas terras dos marakaîás a partir da década de 1550. Na Grande Ilha estavam as tabas de Pindobuçu, Koruké, Pirabiju e mais outras duas que não se sabe o nome. Apenas se sabe que uma localizava-se entre as tabas de Pindobuçu e Pirabiju, e a outra, entre Pindobuçu e Koruké. O atual contorno da Ilha do Governador é bastante diferente do original. Sucessivos aterros foram feitos principalmente para construir o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.
Pindobuçu estava em lugar de porto privilegiado, posicionada estrategicamente de frente para a boca da baía, com malocas construídas próximas a uma praia de areias curtas e águas de lagoa. Pindobuçu era um ponto de chegada. Estava posicionada na praia da Bica e sua linda vista da entrada da Baía de Guanabara, ficam nas terras onde hoje é bairro Jardim Guanabara. A aldeia de Pindobuçu provavelmente abastecia-se do riacho do Jequiá que passava por dentro da terra e que ainda mantém esse nome por causa de outra aldeia que existia na sua foz mais adiante.

Koruké, os guerreiros cocorocas na batalha final

Logo depois de Pindobuçu, havia a aldeia Koruké. Podemos estimar que Koruké, pela disposição das descobertas arqueológicas e toponímicas da Ilha do Governador, poderia ser então a tapera referenciada no antigo nome da atual praia da Bandeira, onde devia habitar na altura da estrada do Cacuia.
O implacável Pirabiju

A última aldeia era a Pirabiju. A rua Cambaúba era uma antiga trilha que ligava a taba de Pindobuçu à área central da ilha, onde se conectava com outro caminho, hoje estrada do Galeão, que levava a Koruké, na praia da Bandeira. Em algum ponto esse peabiru dividia-se em dois e seguia também à esquerda para a parte do fundo da Ilha, onde haveria de estar essa taba. Depois, seguia pelo mesmo trajeto por onde hoje passa a rua Paranãpuã, que leva à ponta extrema da Ilha, atualmente bairro da Freguesia. O morro das Pixunas e a praia Grande também são pontos centrais de evidências arqueológicas de intensa ocupação nativa. Os guerreiros de Pirabijou neste ponto teriam duas praias como opção de ancoradouro e fuga. Uma delas era a agradável praia da Freguesia, com destino à barra da baía, e a outra a praia Grande, hoje localizada dentro de uma base da Marinha.
Jequeí, a aldeia de apanhar peixe
Esse termo tupinambá originalmente descrito como Îeke’í designa claramente uma palavra que passou ao português nas variações Jequiá, Jequeí e Jiqui, que significava o covo de pescar dos nativos do Rio de Janeiro. Esse objeto era feito com as ripas da taquara (bambu) entrelaçadas em um sistema de dois cestos superpostos. O que fica por dentro é menor e tem uma abertura que permite a passagem do peixe, mas impede que ele consiga sair depois da armadilha do cesto maior onde fica a isca. Uma tecnologia incrivelmente simples. Vários jequiás podiam ser espalhados pelos rios, visitados diariamente, em busca dos peixes que invariavelmente entravam neles. Permitiam que os tupinambás pudessem dedicar-se a outras atividades, além da pescaria diária.
A única pista consistente sobre a localização dessa antiga aldeia ancestral do Rio de Janeiro é a existência de um antigo riacho importante que cortava uma boa parte da Ilha. , o rio Jequiá, hoje extremamente poluído, Infelizmente, a aldeia Jequiá não é mencionada nas cartas de sesmarias portuguesas nem em qualquer outra fonte de origem francesa. Foi apenas citada por José de Anchieta.
Paranapucu, o filho de Pindobuçu
O “velho Pindobuçu” tinha muitos filhos, entre eles um mais velho, que caminhava a passos largos para suceder o pai em liderança e status, cujo nome era Paranapucu. Líderes nativos do Rio de Janeiro desconfiavam de que as conversações dos jesuítas antes de tudo tinham objetivo garantir tempo para que os portugueses pudessem se organizar e massacrar os tupinambás. O futuro mostrou estarem realmente certos.
A Ilha do Governador já foi chamada de ilha de Paranapucu e este também era o nome da fortaleza que existia na Ilha do Governador. Para ocupar a ilha do filho de Pindobuçu os portugueses tiveram que enfrentar e vencer uma batalha muito mais dura que durou três dias com muitas mortes de portugueses e tupinambás.
Paranapucu já era morubixaba de sua própria aldeia. As aldeias de parentes ficavam próximas umas das outras, para agir solidariamente em caso de guerras ou de escassez. Há relatos de uma segunda aldeia além da que identificamos ser Jequiá, a qual não se sabe o nome. Esta aldeia só podia ser a aldeia do filho de Pindobuçu. O jovem guerreiro lutou até o final, sendo responsável pela montagem da paliçada em forma de fortaleza, que herdou seu nome e de sua aldeia, e que deu tanto trabalho para os portugueses no campo de batalha da Ilha do Governador.
Pedra da Onça – a lenda maracajá

Na Praia do Bananal, no bairro Freguesia na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, há uma escultura, fruto de uma lenda local, que se transformou em um símbolo do bairro. Diz a lenda não confirmada pelos historiadores: “Uma nativa que habitava a região tomava banho de mar todos os dias. Com ela sempre estava seu gato maracajá de estimação. Ele sempre ficava sentado no alto de uma pedra esperando o retorno da índia para voltarem para casa. Ali era um local onde ele e sua dona também ficavam juntos observando as águas. Um dia a índia foi nadar, porém não regressou. Algo aconteceu com ela. O gato ficou esperando o dia todo, passou a noite ali na pedra e de lá não saiu mais. Depois de muitos dias, acabou morrendo no local”.
Esta história inspirou um grupo de moradores, na década de 1920, a construir um monumento a ser colocado sobre a Pedra dos Amores, em homenagem ao fiel gato-maracajá. A obra foi executada por Galdino Guttmann Bicho, artista plástico residente na Ilha. Com os danos causados pelo tempo e por vandalismo, a escultura já estava destruída na década de 1960. Outra mobilização aconteceu e o gato-maracajá foi recriado, para manter a lenda indígena. Assim, em 20 de janeiro de 1965, a escultura original foi substituída por outra, que permanece sobre a pedra até hoje de autoria de Miguel Pastor.
O nome "Ilha do Governador" surgiu em 5 de setembro de 1567, quando o governador-geral do então Estado do Brasil (e interino da Capitania do Rio de Janeiro) Mem de Sá doou ao seu sobrinho, Salvador Correia de Sá (o Velho - Governador e Capitão-geral da Capitania Real do Rio de Janeiro de 1568 a 1572), mais da metade do seu território. Correia de Sá, futuro governador da capitania, transformou-a em uma fazenda onde se plantava cana-de-açúcar, com um engenho para produção de açúcar, exportado para a Europa nos séculos XVI, XVII e XVIII. Uma segunda sesmaria passou às mãos do almoxarife-geral do governo colonial na cidade, Rui Gonçalves. No século XVII, as duas sesmarias foram, por sua vez, divididas. As terras das fazendas Tubiacanga, Itacolomi, Flecheiras, Galeão e São Bento foram doadas aos beneditinos, que iniciaram a criação de aves e porcos, o cultivo de verduras e de frutas, além de produtos da base alimentar dos índios, como o milho, a mandioca e o inhame. A eles se deve, também, um aumento considerável na produção açucareira. Para fazer escoar tamanho volume de mercadorias, indispensáveis ao abastecimento da capital, o movimento das embarcações se intensificou.
Em 1663, foi lançado ao mar o Galeão Padre Eterno, na época o maior navio do mundo. O galeão foi construído num local da ilha que passou a ser conhecido como Ponta do Galeão, originando o atual bairro do Galeão. Essa área foi aterrada e hoje é onde está localizado o Aeroporto Internacional Tom Jobim

No século XIX, o Príncipe-Regente D. João utilizou o seu espaço como coutada para a caça. Segundo a tradição, conta-se que a Praia da Bica recebeu este nome por causa de uma fonte que costumava servir de banho ao jovem príncipe D. Pedro, mais tarde D. Pedro I (1822-1831). Tal fonte existe até os dias atuais.

O desenvolvimento da Ilha do Governador, entretanto, só ocorreu a partir da ligação regular da ilha com o continente, efetuada por barcas a vapor com atracadouro na Freguesia desde 1838. Mais tarde, outros atracadouros foram construídos no Galeão e na Ribeira, integrando a área à economia do café e à atividade industrial (produção de cerâmica). No início do século XX, se instalaram as unidades militares: a Base Aérea do Galeão, os quartéis do Corpo de Fuzileiros Navais e a Estação Rádio da Marinha (Ermrj), Na Ilha existe, hoje, o maior campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, complexos petroquímicos da Shell e da Esso, um estaleiro, fábricas e uma infinidade de microempresas. O lazer fica por conta de grandes clubes – Guanabara, Iate Clube Jardim Guanabara, Jequiá, Governador, Cocotá, Portuguesa e Associação Cristã de Moços –, teatros, salas de cinema, e, com destaque, três escolas de samba: Boi da Ilha, Acadêmicos do Dendê e a mais famosa, União da Ilha do Governador. Há dois grandes espaços para a prática de esportes: o Corredor Esportivo do Moneró e o Parque Manuel Bandeira.
REFERÊNCIAS
Silva, Rafael Freitas da. Rio Antes do Rio. . Editora Relicário. 4ª edição. Rio de janeiro, 2019
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