“A Ilusão do Terceiro Reinado”, mais conhecida como “O Último Baile da Ilha Fiscal”, pintura feita no ano de 1905 por Francisco Aurélio de Figueiredo.
Na imediata vizinhança da Ilha das Cobras existia um banco de areia parcialmente rochoso e elevado mais conhecido como Ilha dos Ratos. Foi arrasado e cercado de cais de atracação para servir de depósito de materiais e armazém aduaneiro. Nos últimos anos da monarquia, o governo mandou construir ali um edifício em estilo manuelino, destinando-o a servir de sede da Alfândega. O Palacete da Ilha Fiscal, embora com toda aquela imponência, tinha a função de ser um local de trabalho e fiscalização do porto do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Uma vez que os navios aqui aportassem, o Capitão dos mesmos deveriam levar à aduana (alfandega) que ficava na Ilha Fiscal um relato da carga que transportavam para que então fossem aplicados os impostos para que as mercadorias pudessem ser desembarcadas. A fiscalização da aduana então visitava os navios e conferia se carga correspondia ao relato, e se não correspondesse, então multas seriam aplicadas. A edificação do palacete em estilo neogótico provençal nessa ilhota na Baía de Guanabara, é atualmente um dos principais cartões-postais do Rio de Janeiro.
O palacete possui duas alas laterais tendo pequenas torres nas extremidades e ao centro uma torre central. No segundo andar da torre central fica a sala que era ocupada pelo chefe da aduana, um gabinete com um piso ricamente trabalhado com vários. tipos de madeiras brasileiras. abóbodas ogivais góticas talhadas em pedra e pelos vitrais coloridos com figuras do Imperador e vários brasões que aludiam à monarquia A torre central foi projetada para receber um relógio alemão. Este relógio que tem 4 faces, era iluminado através do interior para visualização noturna e assim mostrava a hora local para as embarcações que chegavam ao porto do Rio de Janeiro bem como para as cercanias. O hall ou salão que fica na ala direita do palacete, atualmente é composto de sala de estar e jantar, decoradas com mobiliário do final do século XIX. Esta parte do palacete está assim mobiliada, mas deve-se lembrar que originalmente, este e outros locais do palacete não eram um local construído para eventos sociais, e sim um local de trabalho e fiscalização.
A Ilha Fiscal é um dos vários pontos turísticos da cidade do Rio de Janeiro, atraindo milhares de pessoas anualmente. De responsabilidade da Marinha, a Ilha compõe o Complexo Cultural do Serviço de Documentação da Marinha (DPHDM). Para visitá-la é preciso se dirigir até o Espaço Cultural da Marinha no centro do Rio de Janeiro, Neste local será possível adquirir ingressos para a embarcação que leva até a Ilha ou para micro-ônibus ou vans autorizadas, o que ocorre principalmente em razão de condições climáticas desfavoráveis. Maiores informações através do link https://www.marinha.mil.br/dphdm/ilha-fiscal
O BAILE
O baile da Ilha Fiscal, que o governo da monarquia promoveu em 9 de novembro de 1889 foi em homenagem à visita de oficiais chilenos do navio chileno Almirante Cochrane ao país. Chegados ao Rio em meados de outubro e partindo da cidade em finais de novembro, a visitação e o evento se deu poucos dias antes do fim do regime. Esse baile deu o que falar - desde das tramas políticas, suas recepções diplomáticas, os cochichos e maledicências sugeridas na imprensa, passando pelas preferências estéticas da elite imperial, que queria ser moderna, em sua frequência a casas da moda, cabeleireiros e preparativos para a grande festa. O baile da Ilha Fiscal gerou um apagão no comércio de modas na cidade: não havia costureiras, maisons e cabeleireiros suficientes para tanta dama convidada. A festa, tão suntuosa, foi considerada exagerada para a simples recepção a um navio de guerra estrangeiro.
Do Cais Pharoux ( hoje parte da Praça XV ) dava para apreciar a suntuosidade da Ilha Fiscal fartamente iluminada por fogos de variadas cores, 700 lâmpadas elétricas e 60 mil velas no dia do evento. Do cais, partiam as damas e senhores da sociedade rumo ao baile., aproximadamente 4 mil convidados presentes. A recepção aos chilenos se estendeu para além do baile, tendo durado dois meses. Nesse tempo, um interlúdio: a república fora proclamada bem no meio da visita dos convidados daquele país.
A cidade já estava um pouco acostumada e apreciava atividades públicas de monta, teatros, turfe e remo, festividades religiosas e sociedades dançante. Sem o rádio, eram as bandas musicais, geralmente militares, que embalavam as festas. No baile da Ilha Fiscal tocou-se de tudo: quadrilhas, valsas, polcas e lanceiros animaram os presentes madrugada adentro, até quase o sol raiar.
Estima-se que o refinadíssimo banquete oferecido aos chilenos no baile da Ilha Fiscal tenha custado aos cofres públicos 250 contos de Réis, quase 10% do orçamento da província do Rio. Repleto de iguarias da culinária estrangeira, especialmente francesa, o banquete foi alvo de crítica de parte da imprensa pelos seus custos e também pelo pouco apreço às iguarias puramente brasileiras. Convidados e garçons também foram alvo da crítica de jornalistas: homens fumando, conversando alto, acotovelando as senhoras, atirando restos de comida ao chão, criados considerados desleixados e um tanto esquecidos. As senhoras não foram poupadas: entre os objetos encontrados após o baile, havia até mesmo espartilhos e “algodões em rama”, usados por debaixo dos espartilhos para dar corpo às mulheres.
A corte de Pedro II era avessa a grandes festividades. O último baile no Paço Imperial ocorrera em 1852 após o encerramento das atividades do Parlamento. Nesse ínterim, a família imperial teria se contentado com apresentações teatrais um tanto amadoras e para poucos convidados. Considerando a destreza política de Dom Pedro II e sua saúde já frágil que cada vez mais servia como justificativa para seu distanciamento da condução direta da política nacional, alguns pesquisadores consideraram que o baile da Ilha Fiscal pode ter sido calculado para encenar “o grand finale de seu reinado”. Outros consideraram um “golpe de publicidade” pró-continuidade monárquica, já que os monarquistas apostavam, no início de um esplendoroso terceiro Reinado, sob a batuta de Isabel e secundada por seu esposo, o conde d’Eu. Diante das crises por que passava a monarquia ao fim da década de 1880, a conservação da Coroa estava ameaçada e o baile representaria, uma demonstração de poder e influência do governo imperial, com toda a elite do Império presente, prestigiando, acima de tudo, a imagem da monarquia e de seus dirigentes. Discussões a parte, a suntuosidade do evento deixou um legado para a memória da monarquia no Brasil.
Del Priore , Mary. Entre "doidos " e "bestializados"; o baile da Ilha Fiscal. REVISTA USP, São Paulo, n.58, p. 30-47, junho/agosto 2003.
MALERBA, Jurandir; HEYNEMANN, Cláudia; RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (orgs.). Festas Chilenas: sociabilidade e política no Rio de Janeiro no ocaso do Império. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2014. 208 p.
https://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/ilha-fiscal-palacete.html
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