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IMIGRANTES PORTUGUESES - O RIO DE JANEIRO É UMA CASA PORTUGUESA COM CERTEZA



Ao longo dos séculos XIX e XX, os portugueses constituíram a maioria esmagadora de imigrantes na cidade do Rio de Janeiro. Distribuídos por toda a cidade, dominaram determinados segmentos ocupacionais, com grande destaque para o comércio a varejo e para a comercialização de alimentos. Em certas áreas, constituíram poderosas redes, responsáveis por uma imigração continuada.

Dentre os milhares de portugueses que partiram, a maioria inquestionável dirigiu-se para o Brasil. Ao longo dos séculos XIX e XX, emigração portuguesa foi sinônimo de emigração para o Brasil, mais precisamente, de emigração para a cidade do Rio de Janeiro, mitificada por aqueles que lá já estavam fixados e haviam conquistado melhoria em suas vidas. As parcelas empobrecidas da população portuguesa, sobretudo do campo, viam na emigração a saída para os seus problemas. Nas aldeias, as conversas sobre o Brasil, alentadas por relatos fantasiosos de brasileiros enriquecidos (portugueses retornados), estimulavam os jovens a partirem em busca da fortuna. Além disso, o governo português tinha na emigração uma válvula de escape para os conflitos de terra e, sobretudo, não podia abrir mão das divisas provenientes do Brasil, fonte importante de arrecadação. Por seu turno, as autoridades brasileiras se interessavam em manter tal fluxo que garantiria mão de obra barata e, ainda que não considerado um superior, o português era europeu, branco, bom trabalhador e disciplinado.

Alguns levavam consigo recursos para o reinício da vida em terra estrangeira. Muitos, porém, partiam unicamente com a esperança e a vontade de trabalhar. Destes, houve os que acumularam sucessos e, como “brasileiros” enriquecidos, contribuíram para o desenvolvimento de suas aldeias e povoados. Vários melhoraram de vida, conseguindo ascensão econômica e social ou, pelo menos, garantindo ascensão para seus descendentes de 2ª ou 3ª gerações . Nesse processo, a abertura de negócio próprio, após anos de trabalho e poupança forçada , ou em virtude de algum lance de sorte.

Até 1930, o fluxo migratório para o Brasil manteve-se elevado. Até este período, o processo migratório não sofreu controle efetivo tendo em conta os interesses bilaterais. O período da Grande Imigração coincidiu com a primeira fase dos chamados esforços industrializantes no Brasil, processo típico de substituição das importações motivado pelas dificuldades do comércio exterior e das manipulações cambiais que oneravam os produtos estrangeiros. O Rio de Janeiro, nessa época, constituía-se em um mercado consumidor de primeira grandeza em boa parte devido à presença da máquina administrativa, Seu porto, o mais moderno e aparelhado para o comércio transatlântico ou de cabotagem, garantia o acesso às matérias-primas e às maquinarias necessárias à produção. Tais transações eram facilitadas pela condição que desfrutava a cidade de maior centro financeiro do país, sediando o Banco do Brasil, e os principais bancos estrangeiros, além da Bolsa de Valores. Além disso, o projeto modernizador da Capital Federal envolveu a cidade do Rio de Janeiro num ritmo febril de desmontes e obras, ampliando, consideravelmente, o mercado de trabalho da construção civil. Da mesma forma, os setores de serviços como transportes e iluminação, sob impulso do capital estrangeiro, alargaram-se de modo expressivo. Tal conjuntura criava um quadro favorável à absorção da mão de obra estrangeira. Além disso, os imigrantes, em sua maioria, provenientes da área rural, sentiam-se atraídos pela cidade grande, onde as oportunidades de trabalho e de salário eram maiores.

Assim, a cidade do Rio de Janeiro absorveu um contingente expressivo de mão de obra que chegava ao seu porto. Além dos estabelecimentos industriais, sobretudo os têxteis que possuíam várias unidades de produção com mais de mil operários, a construção civil também criou oportunidade para trabalhadores especializados como carpinteiros, ferreiros, soldadores, canteiros, estuqueiros etc. Os não qualificados se empregavam nos transportes, comércio, como caixeiro, vendedores ambulantes, carroceiros,

A inclinação portuguesa para o comércio tornou o “português da esquina” uma presença obrigatória no espaço dos pequenos negócios urbanos. Como empregados ou donos de armazéns, quitandas, açougues, restaurantes, bares, botequins, padarias, alfaiatarias, carvoarias e outros, eles perpetuaram tradições da terra natal, reinventadas em terra estrangeira

Transformados de colonos em imigrantes no pós-Independência, os portugueses foram incluídos na categoria de “estrangeiros conhecidos”, graças à identidade linguística. Tinham a mesma origem dos conquistadores e primeiros povoadores do Brasil que, além da facilidade da língua, lhes permitia grande intimidade com os costumes e modo de vida dominante.

Os portugueses detinham uma maioria esmagadora no conjunto da população estrangeira e as freguesias centrais concentravam os imigrantes disputando aquele espaço estratégico, junto ao porto e ao centro comercial da cidade, onde se localizavam as principais ofertas de trabalho. A disputa pelo emprego se evidenciava nos conflitos. As qualidades do trabalhador português, “pau para toda obra”, e disciplinado, o afirmava preferencialmente em relação ao trabalhador nativo. A fama de “burro de carga”, assumida pelo imigrante, traduziu sua capacidade de adaptação, mas, também, de resistência. Além da discriminação cotidiana, os imigrantes portugueses estavam submetidos às mesmas dificuldades e problemas que atingiam as camadas desfavorecidas da totalidade social em que se inseriam. Os problemas de saúde eram os mais graves. As epidemias de febre amarela, varíola, cólera ou gripe assolavam a capital federal e propagavam-se com facilidade, ante às péssimas condições de trabalho e moradia.

Os portugueses, concentrados, inicialmente, na zona central da cidade, os portugueses tenderam a acompanhar a expansão da malha urbana, à medida que as linhas – de bondes e de trens – avançaram nos eixos de expansão norte e sul da cidade, bem como na direção do subúrbio cada vez mais distante. O espraiamento português na cidade do Rio de Janeiro atingiu não só a zona suburbana, como também as áreas rurais. Santa Cruz, Campo Grande e Jacarepaguá, por exemplo, onde sítios, chácaras e pastagens caracterizavam a paisagem, o que explica porque, até os dias de hoje, há uma expressiva presença de portugueses e descendentes de portugueses por toda essa área, incluindo, ainda, áreas pesqueiras, como a Ilha do Governador e Guaratiba

Por toda a cidade do Rio de Janeiro e áreas circunvizinhas, portanto, homens e mulheres, nascidos em diferentes regiões de Portugal, reimaginaram e recriaram identidades, reviveram e consolidaram tradições: das referências culinárias às formas de vestir e construir. Dentre os bairros cariocas que, nos dias de hoje, possuem visibilidade dessa presença na cidade, incluem-se os bairros da Grande Tijuca (Estácio, Tijuca, Andaraí, Grajaú e Vila Isabel) e o bairro de São Cristóvão e adjacências como Benfica, que podem ser considerados bairros de marcas portuguesas. A área que, nos tempos imperiais, abrangia as paróquias do Engenho Velho e São Cristóvão, conheceu, desde muito cedo, a presença de imigrantes estrangeiros.

Ainda que a mão de obra estrangeira tendesse a ficar concentrada, principalmente, no espaço do comércio, vários estudos indicam que as fábricas da região utilizavam a mão de obra estrangeira, com presença destacada dos portugueses. Várias construções, ainda existentes, são marcas dessa expansão industrial, na qual se destacavam as indústrias têxteis e de fumo. No primeiro caso, as Fábricas Confiança (1885); Bom Pastor (1911); a Cruzeiro; Covilhã; América Fabril nos dão bons exemplos. A região também foi palco de deslocamentos do trabalho na indústria para o comércio, abrindo a possibilidade, em alguns casos, da mudança da situação de empregado(a) para dono(a) de estabelecimento comercial.

No período da Grande Imigração, a região teve seu polo industrial principal. É importante observar que as fábricas têxteis implantadas na cidade do Rio de Janeiro, no fim do Império e início da República, escolheram, preferencialmente, como lugar de fixação, vales situados no entorno da área central: atuais bairros da Gávea, Jardim Botânico, Laranjeiras e, destacadamente, Tijuca, Andaraí e Vila Isabel. Essa escolha é explicada pela presença dos cursos de água, à época mais caudalosos, importantes para as atividades de tintura e branqueamento de tecidos. Considerando-se os atuais bairros da Tijuca, Andaraí e Vila Isabel, por exemplo, podemos verificar que as fábricas foram instaladas às margens dos rios Maracanã, Trapicheiro e Joana, servindo de exemplo as fábricas de tecidos Confiança e América Fabril, estabelecidas às margens do Rio Joana, antigo Rio dos Morcegos, que deu origem ao nome Andaraí.

Junto ao desenvolvimento industrial caminhou a expansão do pequeno comércio, com grande importância para os bares e botequins, onde os operários tendiam a apagar o cansaço de cada dia de trabalho ou, mesmo, afogar suas mágoas. Tem-se registros de muitos(as) portugueses(as) que deixaram a ocupação nas fábricas para se tornarem empregados do comércio ou comerciantes. No caso das mulheres que passaram de operárias para donas de estabelecimentos, uma questão a mais se colocava: a dificuldade de trabalhar na fábrica quando eram mães e precisavam da disponibilidade de outra mulher para cuidar das crianças, tendo em vista sua condição de imigrante, apartada de seus familiares. Ao assumirem os negócios no comércio dos bares, as iguarias portuguesas se tornaram “comida de botequim” em terras cariocas, como os bolinhos ou pastéis de bacalhau, bolinhos ou croquetes de carne, além de pratos típicos como o cozido dos dias de feira e da feijoada adaptada ao feijão preto.

Ao percorrer as principais ruas da Tijuca, Andaraí, Grajaú e Vila Isabel, com olhos de, travamos contato com a secular presença portuguesa em especial às marcas arquitetônicas dessa significativa presença, na estética tradicional de bares e de armazéns, na fachada de casas que representam regiões de procedência dos imigrados.

A Tijuca possui sete “casas” portuguesas, criadas, em sua maioria, na década de 1950, podendo ser consideradas “lugares de memória.. Duas delas remetem a Portugal como um todo: a Casa de Portugal e o Orpheão Português. As restantes guardam relação com distintas regiões de Portugal continental ou insular, locais de saída dos e(i)migrantes que se deslocaram para o bairro: Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, Casa do Porto, Casa dos Açores, Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria e Casa dos Poveiros e Póvoa do Varzim.




Casa dos Açores


Outro bairro da Zona Norte destacado como referência da presença portuguesa é o bairro de São Cristóvão, com extensão para Benfica. Além da área ter abrigado o Palácio Imperial (Quinta da Boa Vista), em cujas redondezas estabeleceram-se nobres e potentados da mesma nacionalidade, São Cristóvão evoca, nos dias de hoje, uma lusitanidade reinventada por aqueles que se deslocaram no pós-Segunda Guerra. Entre as décadas de 80 e 90 no século XIX, a região conheceu processo similar ao da área da Grande Tijuca, no que diz respeito ao desenvolvimento industrial, servindo de exemplo a Fábrica de Tecidos São João (à rua da Alegria) e a Fábrica de Tecidos Formosa (à Praia de São Cristóvão), além de estabelecimentos dedicados à produção de velas, vidros e outros. Por outro lado, verifica-se, também, o já citado processo de deslocamento entre indústria e comércio.

Também se relaciona ao mundo dos esportes, com a criação do “Club de Regatas Vasco da Gama”, nos idos de 1898 e à fundação do “Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara” (CADEG), responsável pelo afluxo de comerciantes ao local. Ambos ganham importância, para muito além da memória do bairro, por emergirem como importantes registros da presença portuguesa na cidade.

A história do Vasco da Gama não se iniciou no bairro de São Cristóvão, mas no da Saúde. Desde 1926, porém, o bairro é sede do futebol vascaíno; espaço de memória de importantes eventos esportivos e políticos. O clube foi fundado, em 1898, como clube de regatas, esporte popular em uma época na qual o futebol ainda não invadira as terras brasileiras. O nome, certamente, remetia à história de Portugal, motivado pela lembrança do 4º Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para as Índias (1498). Seus fundadores foram 62 remadores, em sua maioria, comerciários portugueses que se dedicavam ao esporte. A chegada do futebol ao Brasil levou o clube a assumir nova orientação, mas as raízes portuguesas permaneceriam visíveis no nome, nos símbolos e na torcida. A adoção do novo esporte, por outro lado, consagraria a vocação popular do clube, visto este ter assumido a dianteira no processo de transformação de um esporte das elites em um esporte popular, sendo importante lembrar, inclusive, que o clube foi o primeiro a aceitar negros no time.



Com relação ao “Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara” (CADEG), hoje Centro de Distribuição de Alimentos da Cidade do Rio de Janeiro, sua criação deveu-se, também, a determinados deslocamentos espaciais. Nesse caso específico, a derrubada do mercado da Praça XV e a transferência dos comerciantes, grande parte dos quais portugueses, para Benfica. Essa concentração criou condições para que emigrantes deslocados nos anos 1960 procurassem a região, buscando locais onde já estavam estabelecidos familiares e amigos (cadeias migratórias). Foi assim que a secular presença portuguesa na comercialização de alimentos passou a ter no CADEG uma possibilidade de extensão em sua duração. Junto ao mercado distribuidor, que abre diariamente às 4 horas da madrugada, na qual a maioria inconteste dos comerciantes é constituída por portugueses, proliferaram bares e restaurantes que oferecem a seus clientes não apenas um “bom bacalhau”, como, também, sardinhas, embutidos, queijos, vinhos e outros produtos obrigatórios na mesa portuguesa.



Perfeitamente adaptados à vida carioca, portugueses e portuguesas não traem suas raízes. Estas estão presentes no sotaque carregado, nos hábitos alimentares, nos gostos no vestir e na religiosidade expressa na presença de tantas imagens de Nossa Senhora nos estabelecimentos comerciais e no interior dos lares.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Menezes, Lená Medeiros de Imigração Portuguesa: lembranças de terras distantes. Tijuca e São Cristóvão como estudo de caso. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n.6, 2012, p.79-95


Martins, Ismênia de Lima. OS PORTUGUESES E OS “OUTROS” NO RIO DE JANEIRO: RELAÇÕES SOCIOECONÔMICAS DOS LUSOS COM OS NACIONAIS E DEMAIS IMIGRANTES (1890-1920) R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 174 (461):81-104, out./dez. 2013


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