top of page
Buscar
Foto do escritordanielericco

IRMANDADES NEGRAS - IGREJAS DE PRETO SIM, SENHOR - SEGREGAÇÃO E SINCRETISMO

Igreja da Confraria de Nossa Senhora da Lampadosa por Debret


Desde o início da colonização portuguesa houve, no Brasil, irmandades separadas para brancos, índios, negros e, com o aumento da miscigenação, confrarias para os pardos. Isso demonstra uma segregação racial e o exclusivismo social das irmandades no Brasil. As autoridades religiosas apoiavam-nas na tentativa de integrar a população à sociedade portuguesa. As irmandades da população de origem africana representam na história cultural do Brasil, uma expressão do pacto colonial entre a população de origem africana e a elite senhorial. Havia irmandades apenas para negros em todo o país. A mais famosa dentre as inúmeras irmandades de pretos é a de Nossa Senhora do Rosário.


As associações religiosas leigas desempenharam um importante papel para os escravos ao oferecer empréstimos para a compra da alforria e ajuda nos processos judiciais contra os seus senhores além do direito de sepultamento e de realização das festas religiosas. As irmandades funcionavam como sociedade de ajuda mútua. Seus associados contribuíam com jóias de entrada e taxas anuais, recebendo em troca assistência quando doentes, presos, famintos ou quando mortos. Neste aspecto, uma das principais funções das irmandades era proporcionar aos associados funerais solenes, com acompanhamento dos irmãos vivos, sepultamento dentro das capelas e missas fúnebres.


Os cativos afrodescendentes construíram igrejas para a elite e para si mesmos. Foi uma das formas pelas quais os negros seriam incorporados à vida “civilizada” nos trópicos, porém eles entrariam nestas confrarias com uma diferença: eles teriam um dia de celebrar sua devoção. As igrejas para o funcionamento das Irmandades da população de origem africana eram bem equipadas e ornamentadas, no qual revela a importância das igrejas para os negros, enquanto símbolo de prestígio e espaço de vivência religiosa e social


Para os negros, todos na condição de “infiéis”, evidenciava-se uma exclusão ameaçadora. Não foi sem propósito que não tardaria para que lhes fosse imposto o “direito” de serem católicos. Portanto, a permissão para que a população negra se associasse em irmandades não passou de uma medida política, por parte do Estado português, visando o controle do território e da população. Aos negros, excluídos do convívio social, foi inicialmente negado o direito de instituírem irmandades para si. No entanto, a partir de um determinado momento, os traços marcantes da cultura africana mantidos aqui pelos escravos de diferentes etnias, começou a ser visto como uma ameaça aos ideais portugueses. Assim, a permissão para que houvesse irmandades específicas para negros decorreu da vontade da Coroa de as impor como instrumento de socialização dos escravos nos preceitos cristãos, mesmo diante da resistência de alguns setores da elite que acreditavam não ser o negro capaz de absorver ensinamentos

Mesmo com a autorização, não foi de imediato que os negros ganharam datas de terras para erguerem templos próprios. Para garantir a devoção aos santos católicos, por parte da população escrava, foi estabelecido que eles apenas teriam direito a ocupar altares já existentes nos templos das irmandades dos brancos. Assim, quando das cerimônias que exigiam a presença de todos os fiéis na igreja, os componentes das irmandades eram separados por cor e condição social. As vezes, eram utilizados os rodízio de horários.. Com o tempo e com os problemas desta convivência forçada, os negros foram construindo suas próprias capelas, quase sempre em terrenos doados pela Câmara em lugares mais distantes, no rossio.


As irmandades dos mais pobres e negros como as de Nossa Senhora da Lampadosa, Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e São Elesbão e Santa Efigênia, construíram suas ermidas em locais longíquos, em áreas não consolidadas e desassistidas de equipamentos coletivos. As autoridades portuguesas só não puderam evitar que os negros continuassem, apesar da escravidão, a manifestar suas crenças e sua cultura no sistema social religioso dominante. O sincretismo foi o resultado decorrente deste processo que fez com que nem os valores estritamente portugueses vigorassem nem os mitos africanos se mantivessem na íntegra. Um arcabouço da cultura brasileira estava sendo evidenciado naquele momento


Cultuava-se São Benedito, mas cultuava-se também Ogum, e batiam atabaques nos calundus da colônia: nas estruturas sociais que lhe foram impostas, os negros, através da religião, procuraram “nichos” em que pudessem desenvolver integradamente suas manifestações religiosas. A religião africana vivida pelos escravos negros no Brasil tornou-se assim diferente da de seus antepassados, mesmo porque não vinham todos os escravos de um mesmo local, não pertencendo a uma mesma cultura. Gêges, nagôs, iorubas, malês e tantos outros trouxeram cada um sua contribuição.


A primeira diferenciação da religião africana colocaria de lado as divindades protetoras da agricultura, valorizando, em contrapartida, as da guerra (Ogum), da justiça (Xangô) e da vingança (Exu). Como solicitar aos deuses boas colheitas numa agricultura que beneficiava os brancos ??? E o catolicismo de origem européia continuaria, na colônia, a se mesclar com elementos estranhos a ele.


As irmandades, como instrumento de ação social da população negra, acrescentaram um toque africano ao barroco colonial brasileiro. O sincretismo marcou uma das condições dos países de escravidão que foi a mistura de raças e de povos, a coabitação das mais diversas etnias em um mesmo lugar e a criação de uma nova forma de solidariedade, no sofrimento, uma “solidariedade de cor” . Os serviços sociais destas instituições constituíam-se uma das mais importantes funções. Para os negros, que desejavam obter proteção, ter um ponto de encontro longe dos olhares dos senhores, assegurarem para si e para os seus familiares o direito a um enterramento digno e uma ajuda financeira para as suas viúvas e filhos, a união em irmandades foi decisiva para a sua sobrevivência em meio à escravidão.


Outra importante função desempenhada por estas instituições foi a possibilidade de se organizarem em festas que, além de satisfazerem as necessidades religiosas da população congregada, proporcionavam divertimento e formas de expressão em uma época em que eram poucas as oportunidades de diversões para os escravos. Os temas recorrentes nas festas das irmandades negras era, além da “necessária” citação aos santos católicos, a recriação de suas províncias natais e, muitas vezes, na medida do possível, críticas às suas condições de vida e aos seus colonizadores. As festas promovidas pelas irmandades de negros, sobretudo a do Rosário, a da Lampadosa e a de São Jorge, além de muita ostentação, sempre foram marcadas por sua musicalidade. Até no momento de seus preparativos, este caráter era observado.


Uma das mais curiosas procissões promovidas pelos negros da Lampadosa foi a do Rei Baltazar na qual, durante os festejos, “eram eleitos imperador e imperatriz negros que recebiam a dignidade de soberano” De características tipicamente africanas, evocando seus usos e costumes, com ritmos das suas províncias de origem, estes eventos conseguiam monopolizar a atenção e os esforços de todos os membros da irmandade.


Também a irmandade de São Jorge, mesmo muito modesta, promovia suas festas pelas ruas da cidade sempre com destaque para a riqueza da vestimenta dos irmãos. A pompa com que ocorriam tais procissões, expressava uma ruptura que os negros estabeleciam com sua vida diária, um momento de encontro com uma posição elevada, distinta e inatingível em seu cotidiano. Os negros queriam se vestir como os demais, com o mesmo luxo e qualidade. Para eles, o “expressar-se” através das festas era uma experiência máxima de liberdade, era um raro momento em “deixavam de ser um ser para o outro para ser um ser para si”.

A despeito do uso do sincretismo como controle social e ideológico, tais “abusos” foram combatidos pelas elites As visitações do Santo Ofício acusaram (mais nos séculos XVI e XVII, menos na segunda metade do XVIII) imensa intolerância para com as práticas sincréticas, o mesmo acontecendo com o Tribunal de Lisboa. Boa parte da população branca da cidade chegou a desenvolver um medo em relação às comemorações dos negros, trancando-se em suas casas ao menor sinal de seus batuques, desprezando-as também por considerá-las um desacato e uma carnavalização da religiosidade cotidiana.


As irmandades também se traduziam na oportunidade que tinham para obter um enterramento digno. Em um contexto em que, tratados como “peças”, eram simplesmente abandonados em qualquer local quando falecidos, a garantia de um sepultamento em chãos da irmandade representou uma grande conquista social. As cerimônias preparadas por estas instituições eram marcadas pelo sincretismo, mantendo-se, inclusive, as honras para os mortos de alta descendência africana. A crença na vida além-túmulo fazia parte tanto da cultura barroca de origem ibérica, disseminada na colônia, quanto de cultura africana, na qual a questão da ancestralidade era bastante importante. O costume da época estabelecia que para assegurar a salvação da alma, a sepultura devia estar em local santo, dessa forma as igrejas foram o principal lugar de enterramento e estar associado a uma irmandade garantia esse direito. O espaço que o túmulo ocupava na igreja denunciava a posição que aquele indivíduo ocupava na igreja, sendo enterrados no interior da mesma aqueles de melhor condição. A principal causa que levava as pessoas a se associarem a estas instituições era a preocupação com o bem morrer. Irmandades como a do Rosário e a da Lampadosa foram as que primeiro possuíram cemitérios para negros no Rio de Janeiro.


Um outro caráter das irmandades de negros que possibilita considerá-las como mecanismos de ação social faz referência ao fato de que muitos escravos, através delas, conseguiram a liberdade. Na ocasião das grandes festas comemorativas a quantia recolhida dos congregados ou doadas por terceiros servia para a compra da alforria de irmãos de acordo com sorteios ou obedecendo a hierarquia social proveniente de suas terras de origem. Assim, a irmandade era uma espécie de família ritual, em que africanos desenraizados de suas terras viviam e morriam solidariamente.


Um dos aspectos pouco estudados diz respeito exatamente à recriação, no seio das confrarias negras, de identidades étnicas trazidas da África. As irmandades da elite senhorial podiam ser de portugueses ou de brasileiros. As de preto se subdividiam nas de crioulos ou africanos. Estas podiam se fracionar ainda de acordo com as etnias de origem, ou como se dizia na época, as nações havendo as de angolanos, benguelas, jejes, nagôs, etc. Com o tempo, as irmandades começaram a se abrir, estabelecendo regras seletivas de alianças interétnicas.


A elite senhorial procurara participar das irmandades de cor como estratégia de controle. Os pretos os aceitaram por várias razões: para cuidar dos livros, por não terem instrução para escrever e contar, para receberem doações generosas, vez que não tinham como sustentar sozinhos a irmandade, ou ainda por imposição pura e simples. Se por um lado, pertencer a uma irmandade levava a uma maior integração do afrodescendente na sociedade, por outro o estar dentro da legalidade diminuía a possibilidade de revoltas coletivas. Para a elite senhorial, estas associações eram um poderoso veículo de cristianização do negro, além de que, reunidos em grupo, ficava mais fácil controlá-los. Nas irmandades negras quase sempre se buscava evitar a mistura entre tribos ou nações africanas em uma mesma associação, o que também contribuiu para a perpetuação de preconceitos, porque divididos em grupos ficavam mais dispersos, significando assim menos perigo para o Estado já que não se uniam frente a uma causa comum.


Igreja Nossa Senhora da Lampadosa



As origens do templo remontam a 1748, a um terreno doado à Irmandade Negra de Alampadosa ou Lampadosa. Só em fins da década de 1740, a irmandade iniciou a construção de um templo para abrigar a imagem. Pela sua localização próxima da forca usada na execução da pena capital de Tiradentes (no atual cruzamento da Rua Senhor dos Passos com a Avenida Passos), em sua frente o mártir brasileiro pôde fazer as suas últimas preces antes de ser enforcado em 1792

Endereço: Av. Passos nº 15 Centro Rio de Janeiro


Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge




Na Rua da Alfândega, esquina da Praça da República, está situada a Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge. Esse templo foi fundado por Provisão concedida em dezembro de 1758, em terreno doado pelo Cônego Antônio Lopes Xavier. A esse tempo a igreja era apenas dedicada a São Gonçalo Garcia, porque São Jorge tinha o seu templo próprio na rua do seu nome (atual Gonçalves Ledo) esquina da Rua da Lampadosa (hoje Luís de Camões).

Em 1850, o santuário do Santo guerreiro, de construção frágil, estava a cair; faltavam à Irmandade os recursos necessários à sua reedificação. Dessa forma, o culto a São Jorge não podia ser prestado com a devida decência e foi resolvido entre os irmãos da igreja de São Gonçalo Garcia, socorrer a Igreja para guarda da imagem do seu patrono. Em 1854, fizeram junção das duas agremiações, tornando-a uma só instituição, que tomou o título de “Venerável Confraria dos Gloriosos Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge”. O dia 23 de abril é feriado no Rio de Janeiro pelo dia de São Jorge, santo tão celebrado quanto o padroeiro da cidade, São Sebastião. Filas se formam para que os fiéis possam ver a Imagem de São Jorge e homenagens de religiões de matizes africanas ocorrem no lado de fora da Igreja.

Endereço: Praça da República, 382 – Centro


Igreja de São Elesbão e Santa Efigênia



Uma irmandade formada por negros de Cabo Verde, Costa da Mina e Moçambique, além de escravos alforriados, realizou um pedido para que uma igreja para Santo Elesbão e Santa Efigênia (santos de origem africana) fosse erguida. Pouco tempo depois, em 1740, obtiveram permissão para a construção da igreja em terreno comprado no centro do Rio de Janeiro. Essa irmandade formada por negros construiu o templo, que ficou pronto em 1754.

Foi uma grande conquista para os negros que viviam no Brasil. Eles precisavam se encontrar em diversos lugares para praticar sua devoção a esses santos. Com a construção da igreja, passaram a ter um local matriz e um ponto de encontro. Após a inauguração da capela, a rua nesse trecho passou a ser chamada de Santa Efigênia em homenagem à santa de devoção dessa irmandade.

A igreja se mantinha bem com um bom número de dedicados fiéis, que zelavam pelo templo. No entanto, após a proclamação da Lei Áurea, em 1888, as coisas se complicaram um pouco. Com o fim da escravatura, muitos negros libertos saíram do Rio. Foram buscar uma nova vida longe da cidade. Isso ocasionou em uma perda maciça de fieis e consequentemente na deterioração do prédio. Ficou praticamente abandonado. Contudo, em 1914, a Irmandade de São Elesbão e Santa Efigênia conseguiu fazer as reformas necessárias, a igreja foi reinaugurada e está presente até hoje. A presença de uma imagem de Santo Antônio de Catageró, um escravo que se tornou santo, é um dos elementos que atrai visitantes ao local.

Endereço:: R. da Alfândega, 219 - Centro, Rio de Janeiro


Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos




A "Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos" foi fundada em 1640, sendo a irmandade que abrigava aos negros e pardos do Rio de Janeiro. Naquela época, funcionava na “Igreja Jesuítica de São Sebastião”, no morro do Castelo (atualmente demolido), de onde tiveram de sair por volta de 1700. Em 1708, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito recebeu o terreno onde está situada a igreja na então Rua da Vala (atual Rua Uruguaiana). De 1737 a 1808, o local sediou a catedral da cidade,. Durante um período de 13 anos, entre 1812 e 1825, funcionou, nas dependências da igreja, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Foi justamente dessa igreja que, em 9 de janeiro de 1822, uma comitiva liderada pelo presidente do Senado, José Clemente Pereira (1787 – 1854), saiu para entregar a dom Pedro de Alcântara, posteriormente Pedro I (1798 – 1834), a mensagem do povo do Rio de Janeiro, com mais de oito mil assinaturas, pedindo por sua permanência no Brasil, já que as Cortes Portuguesas haviam ordenado seu regresso a Portugal – Dia do Fico.

Atualmente, a igreja não tem praticamente nenhuma decoração interna, devido a um terrível incêndio ocorrido em 1967 que destruiu os altares e talha das capelas, paredes e colunas. Tragicamente, no incêndio perdeu-se também o chamado Museu do Negro, que funcionava no segundo andar da igreja e que continha importantes documentos relacionados à história da irmandade

Em novembro de 2018, a Justiça Federal interditou o templo por má conservação e risco de incêndio. Meses depois, a administração do local passou para a Arquidiocese do Rio e, em seguida, começaram as obras emergenciais.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, reabriu ao público no dia 06 de agosto desse ano.

Endereço: R. Uruguaiana, 77 - Centro, Rio de Janeiro



REFERÊNCIAS


Fridman, F.; Macedo, V. A ordem urbana religiosa no Rio de Janeiro colonial. URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, SP, v. 1, n. 1, p. 1–21, 2013.

DOI: 10.20396/urbana.v1i1.8635109. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8635109. Acesso em: 22 ago. 2021.


Gumieiro, Fábio . As ordens religiosas e a construção sócio-política no Brasil: Colônia e Império Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 46, p. 63-78, Curitiba, 2013.


Cruz, Teresa Cristina de Carvalho. AS IRMANDADES RELIGIOSAS DE AFRICANOS E

AFRODESCENDENTES Percursos, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 03-17, jan. / jun. 2007

80 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page