As formas de distribuição habitacional no Brasil-Colônia eram concentradas nas vilas erguidas em torno das Igrejas e Santas Casas de Misericórdias que desempenhavam dupla função: político-administrativa e médico-assistencial. Até o início do século XIX, a sociedade brasileira ainda respirava os ares de fazenda e de campo, e as cidades se constituíam em vilarejos. A maioria de sua população era escrava e poucos eram trabalhadores livres convivendo muito proximamente com a reduzida elite local, seja em função da própria defesa das vilas, seja pela falta de meios de transporte. A diferenciação entre as classes não se dava, portanto, pela ocupação do espaço urbano, mas pela aparência das residenciais da elite local.
A residência urbana e semi-urbana do Brasil colonial parecia simples e rudimentar ao olhar europeu que chegava no séc XIX. Na cidade, as casas eram térreas, de porta e janela com poucos cômodos, só sala, alcovas (quartos sem janelas) e cozinha.
Algumas eram sobrados, de dois ou três pavimentos com loja, armazém ou depósito no térreo e escritório, salas, alcovas e cozinha nos andares superiores. As casas eram erguidas no alinhamento da rua, sem recuo frontal ou lateral, formando ruas estreitas e tortuosas.
Após 1549 chegam os primeiros construtores portugueses e as Cartas Régias, determinando padrão de fachadas, dimensões, número de aberturas, altura de pavimentos e alinhamento com as edificações vizinhas
A casa, inicialmente, era de taipa de pilão, a casa de pedra e cal, a casa de “granito miúdo”, construída sempre com os materiais disponíveis no entorno – barro e pedra, com telhados de duas ou de quatro águas e beirais para proteger as paredes das águas da chuva.
Com frutas, verduras, água e capim para os animais, a residência semi-urbana era uma estrutura mais auto-suficiente que a urbana. Os cômodos internos eram melhor ventilados e iluminados, uma vez que a construção estava isolada no terreno. A paisagem era mais horizontal, com as construções esparsas, cercadas pelo verde.
As casas na cidade eram coladas uma as outras, geminadas até para própria segurança e melhor sustentação devido a precariedade dos materiais, por isso a ventilação se dava da frente para os fundos sem ventilação lateral e as janelas eram grandes.
Com a chegada da Corte ao Rio de Janeiro e a difusão do neoclássico pela Missão Artística Francesa, a residência urbana e semi-urbana do Brasil começa a se transformar. Primeiramente, a corte passou a ocupar as casas já existentes consideradas melhores construídas. Sem acomodação suficiente para abrigar a Coroa e os nobres, colocava-se um letreiro na porta das casas com as siglas "PR" ( Príncipe Regente) mas para muitos significava "ponha-se na rua".
Com o tempo, as casas vão mudando - altera-se o jardim, acompanhando as modificações do gosto, dos hábitos e dos costumes dos brasileiros em um processo de “reeuropeização”. O material de construção das casas muda para formação de estruturas cada vez mais resistentes. No interior do lote, para que os dormitórios recebessem iluminação e fossem melhor ventilados, estabeleceu-se o recuo de um ou de ambos os lados da construção. Para garantir maior privacidade aos moradores, a casa afastou-se da rua, por meio do estabelecimento do recuo frontal – ideal para a implantação do jardim em frente à residência como elemento de valorização da arquitetura. A passagem do jardim dos fundos para o jardim lateral ou frontal deixou de estar misturado às hortas e pomares, tornando-se fundamentalmente ornamental. Para ligar os jardins à construção, criou-se a varanda – apoiada então em colunas de ferro, com gradis e degraus de mármore na escada.
Na fachada das novas residências da elite ficou evidente a influência européia, em um primeiro momento, com os detalhes neoclássicos, em seguida, por meio do ecletismo (estilos variados). A casa passou a apresentar uma maior variação de cômodos, sendo introduzidas áreas como o hall de distribuição ou o vestíbulo – até então não empregados na arquitetura urbana de uso residencial.
O jardim ganhou cada vez mais importância no lote urbano ao se aproximar o fim do século, chegando em alguns casos a circundar a residência, apresentando um traçado de influência inglesa ou francesa e muitas vezes a mistura de plantas de origem européia com plantas nativas. Surgem os palacetes ajardinados e alguns ainda mantinham algumas características das antigas chácaras – como hortas e pomares, mesmo em área urbana.
Acentua-se o processo de diferenciação social entre essas construções – os sobrados e pequenos palacetes sendo destinado às camadas mais ricas da sociedade e as casas térreas pertencendo às pessoas mais simples.
No Rio de Janeiro havia casas de chácara nos bairros mais afastados do centro, com as construções mais amplas, cercadas por jardins – eram as residências dos mais abastados que queriam fugir do burburinho do Centro da cidade. Os bairros do Catete, Laranjeiras e Botafogo, bem como São Cristovão e Engenho Velho (atual região da Tijuca). eram locais favoritos de residência dos europeus. A escolha destas localidades também se deu para evitar as epidemias de cólera, pestes, varíola e febre amarela nas moradias coletivas à época, já que nesse período, a cidade era vista como perigosa, do ponto de vista sanitário e moral, e não digna de tornar-se moradia da realeza.
A rua da cidade brasileira até o século XIX caracterizada pela irregularidade do traçado, pela falta de alinhamento, pela ausência de calçamento, pela carência de iluminação pública e pela imundície. As águas das chuvas eram despejadas nas ruas pelos telhados e ponteiras das residências; eram despejados também nesse espaço público os detritos orgânicos da casa pelos próprios moradores ou por escravos. Atirava-se para o meio da rua o resto de comida, a água servida, o material recolhido pelos tigres (escravos responsáveis por despejar os dejetos dos moradores das casas para o mar ou algum rio)
Nas cidades mais importantes do país, observou-se o processo de calçamento das ruas e criação de passeios junto às construções.. Ainda no século XIX, surgiram lampiões e postes de iluminação nesses espaços públicos e os primeiros árvores alinhadas ao longo do calçamento. A rua ganhava status. A rua deixa de ser o escoadouro das águas servidas das residências urbanas, para ganhar em dignidade e em importância social.
Ao longo do século XIX muitas mudanças se processaram nesse espaço urbano. Os lampiões foram posteriormente substituídos por postes de iluminação pública independentes das construções. Algumas ruas foram cobertas com pedra britada; outras foram cobertas com paralelepípedos. Na segunda metade do século, surgiram os trilhos de fenda nessas mesmas ruas, já calçadas, por onde trafegavam os bondes. Ao pedestre foi assegurado o passeio (ainda bastante estreito) junto às residências. Algumas ruas foram alinhadas ou retificadas; novas ruas foram abertas, acompanhando o crescimento das cidades, possuindo largura mais expressiva em relação às antigas vias de circulação. Foram implantados também os primeiros sistemas de distribuição de água e coleta de esgoto.
O espaço urbano tradicional foi europeizado tanto no âmbito privado como no âmbito público, configurando-se um novo cenário para a cidade brasileira
REFERÊNCIAS
Aragão, Solange de . A casa, o jardim e a rua no Brasil do século XIX. Em Tempo de Histórias - Publicação do Programa de Pós-Graduação em História. PPG-HIS/UnB, n.12, Brasília, 2008
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