A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada no Morro Cara de Cão em 1º de março de 1565 e, após a expulsão dos invasores franceses, em 1567, foi, por escolha do governador-geral, Mem de Sá (1500 – 1572), instalada no Morro do Castelo. A escolha do ponto foi estratégica para a defesa da cidade em caso de possíveis futuros ataques , já que de lá se via a Baía de Guanabara e sua porta de entrada,.
Logo no primeiro ano de ocupação, o Morro ganhava suas primeiras construções: o Forte de São Januário rebatizado mais tarde de São Sebastião. Localizado na parte posterior da colina e feito como as demais edificações, de pedra e óleo de baleia, sua aparência era a de um castelo. Foram construídos fossos, muros e baluartes (muralhas), a igreja e o colégio dos jesuítas, armazéns, casas para os primeiros moradores, a Casa da Câmara, a Cadeia e a Igreja de São Sebastião, o primeiro templo religioso do Rio,para onde foi levada o marco de pedra de fundação da cidade, anteriormente no sopé do Morro Cara de Cão, e também os restos mortais de Estácio de Sá (1520 – 1567), fundador do Rio de Janeiro. Para a defesa, foi construído um conjunto de três fortes: o Baluarte da Sé e a Fortaleza de São Sebastião, localizados no morro, e a Bateria de Santiago, na ponta da Piaçava (que dividia as praias de Santa Luzia e da Piaçava no pé do morro). De início, abrigou os cento e vinte portugueses que haviam participado da expulsão dos franceses. A trama urbana que deu origem à capital fluminense foi se desdobrando a partir desse núcleo.
Dentre os poderosos que ocuparam o Morro do Castelo, havia os jesuítas, que se instalaram com um colégio e uma igreja, até serem expulsos da Colônia em 1759, pela famosa perseguição do Marquês de Pombal. Esse episódio deu origem a lendas de que, na fuga, os religiosos teriam deixado um tesouro escondido nas galerias subterrâneas.
Denominado inicialmente de Morro do Descanso devido a árdua conquista que os portugueses tiveram para ocupá-lo, essa elevação fazia parte de um conjunto de vários morros (S. Bento, Providência, Senado, Conceição e S. Antônio) que estavam encravados na planície encharcada e isolados dos maciços litorâneos. O Morro do Castelo era o que apresentava as melhores condições. Com uma altitude em torno de 60 metros, o Morro tinha um topo relativamente plano que permitia construções. Seus limites eram as atuais avenida Rio Branco (antiga avenida Central), as ruas Santa Luzia, Misericórdia e São José. Todos os outros morros citados tinham vista para a baía de Guanabara, entretanto, o Castelo era o único que tinha uma vista ampla da sua entrada. Era cercado por pântanos e lagoas, sendo portanto, quase uma ilha, o que dificultava o seu acesso e facilitava a sua defesa. O Morro tinha uma fonte de água doce e sua inclinação favorecia o escoamento dos detritos. Os portugueses jogavam o lixo nas ruas e as águas das chuvas tratava de levá-lo encosta abaixo.
A recém criada cidade não demorou a se espalhar em direção às planícies que circundavam a Colina. No início do século XVII, a população do Rio de Janeiro era de 4 000 habitantes, entre índios, a maioria, portugueses e negros africanos escravizados e introduzidos para trabalhar nos engenhos de açúcar. Com o crescimento da economia e da atividade portuária, a cidade expandiu-se além do núcleo do Morro do Castelo. Até porque não era fácil morar num morro que tinha apenas uma nascente de água e onde gêneros alimentícios e material de construção tinham que ser levados nas costas. A descida do Morro do Castelo foi decorrente também de interesses dos principais produtores de riqueza: donos de engenho, produtores agrícolas, donos de armazéns e dos mercados, que visavam expandir os seus negócios com o crescimento da cidade na várzea. O fator agrícola também influenciou na ocupação inicial das encostas e várzeas. Esse fator foi importante para o desenvolvimento das lavouras e a consequente estabilização e extensão da posse.
Do sopé do morro nasceram as primeiras ruas da cidade. A várzea era arenosa e em grande parte encharcada com lagoas e manguezais. Trilhas foram construídas e posteriormente se transformaram em ruas. Ruas como da Ajuda e Misericórdia contornavam a base para fugir dos terrenos úmidos. A rua Direita (atual 1° de Março), prolongamento da Misericórdia, ligava o Castelo ao Morro de São Bento. Com a exceção da rua Direita, as primeiras ruas não foram planejadas. As casas eram construídas de acordo com as necessidades imediatas e só depois as ruas eram construídas, em expansão lenta, sem calçamento e nem sempre em linha reta
Os “donos” da nova cidade eram os grandes proprietários das terras do Rio de Janeiro - a coroa portuguesa, um pequeno número de nobres e as ordens religiosas. A cidade foi dividida entre várias ordens religiosas. Durante o período colonial, a organização espacial da cidade do Rio de Janeiro estava diretamente relacionada à presença e dominação dos religiosos. Cada ordem, irmandade e confraria se apropriava de uma parcela do espaço urbano. Essa dominação tinha uma base econômica através da produção (agropastoril e serviços) e da acumulação de propriedades, e uma base ideológica, através da influência da religião católica.
O Morro do Castelo pertencia aos Jesuítas. Esta ordem foi a maior proprietária de terras no Rio de Janeiro até sua expulsão em 1759. As demais ordens: franciscanos, carmelitas e beneditinos localizaram-se inicialmente na várzea. Em 1587, a sesmaria de São Bento foi doada para os monges beneditinos. Os franciscanos ficaram no sopé do Morro do Castelo até 1607, quando decidiram a transferência para o Morro de Santo Antônio reservado aos carmelitas, que chegados em 1590, não o aceitaram. Os religiosos eram responsáveis pelos referenciais diários da população: habitação, saúde, produção de alimentos, educação, melhoramentos urbanos (construção de ruas, saneamento, abastecimento de água etc.)
Com a expansão urbana e a consequente descida para a várzea, o Morro do Castelo passou a ter três acessos: a Ladeira da Misericórdia, a Ladeira do Castelo e a Ladeira da Ajuda. A primeira, ligava o Morro à praia do lado da Ponta do Calabouço ( região do Aeroporto Santos Dumont). A segunda, isto é, a do Castelo, alcançava a planície pela Rua São José. A ladeira da Ajuda, ligava a parte oeste do Morro às proximidades da atual rua México.
A cidade descia e com ela algumas instituições. A Casa da Câmara e Cadeia foram transferidas para a várzea, que também abrigava a Igreja do Carmo e o cemitério, localizado próximo à Santa Casa de Misericórdia. A Bateria de Santiago, na Ponta da Piaçava, foi ampliada a partir de 1603 e tornou-se a Fortaleza de Santiago, atual Museu Histórico Nacional. Em 1693, passou a abrigar uma prisão para escravos, que anteriormente ficava no prédio da Cadeia, localizada no alto do morro. Daí o nome “calabouço” por designar a fortaleza e a ponta onde se localizava.
Além do Castelo e do São Bento, foram ocupados logo depois, os morros da Conceição e Santo Antônio, formando o famoso “quadrilátero”, onde esses morros delimitavam a área urbana até meados do século XIX. A planície encharcada começava a ser aterrada. A lagoa da Carioca, que separava os Morros do Castelo e de Santo Antônio e a lagoa do Boqueirão, onde se localiza atualmente o Passeio Público, começaram a ser dissecadas. Além da função defensiva, a ocupação inicial dos morros se deve também à própria insalubridade da planície. Os morros eram naquele momento, o melhor e o único local para a ocupação e o povoamento, já que as planícies que os circundavam eram praticamente embrejadas.
Visão do Morro do Castelo da rua Direita (hoje Primeiro de Março)
A partir do século XVII, a Colina passou a perder influência diante do comércio marítimo crescente, que transformou o porto e as imediações da atual praça XV em centro administrativo e econômico do Rio colonial. A cidade começava a seguir em direção ao interior. As principais edificações, como o Forte ou Castelo de São Sebastião, que batizara a colina, o Colégio dos Jesuítas, fundado por Anchieta e Nóbrega, e as casas dos primeiros colonizadores estavam em processo de deterioração; e as estreitas e tortuosas vielas do morro passaram a abrigar uma população menos favorecida que ficou fora da distribuição de sesmarias, principalmente pescadores. A Igreja de São Sebastião, por exemplo, ficou praticamente esquecida pelo povo carioca. A falta de fiéis, levou os padres a recrutar os escravos para assistir as missas. No século XVI, as mulheres só saiam de casa para ir à missa, e a movimentação no morro ficava por conta dos dias de procissão.
A decadência do Castelo tornou-se inevitável. No século XVII, o morro abrigava uma população marginal e, apesar de guardar relíquias históricas, era desprezado pela maioria dos cariocas. Durante o governo de Marques de Pombal, no século XVIII, houve a expulsão da Ordem dos Jesuítas. Essa expulsão interessava à Igreja Católica, já que essa Ordem estava ficando muito rica e independente do Vaticano. A expulsão dos jesuítas do Morro do Castelo gerou muitas lendas na população entre elas a que tesouros teriam sido enterrados nos seus lendários subterrâneos durante o rápido despejo dessa Ordem, o que também contribuiu para seu desmonte. A expulsão dos jesuítas em 1759 culminou com confisco de seus bens, cujas terras agrícolas e urbanas passaram ao patrimônio do Estado ou foram vendidas em leilão As propriedades jesuíticas no Morro do Castelo foram doadas à Santa Casa de Misericórdia.
O Morro ainda possuiu por muito tempo, função estratégica com fins científicos e militares com a presença do telégrafo e o Observatório. Do morro se davam os avisos de incêndios na cidade, Além disso, a fortaleza de Santa Cruz, localizada na entrada da Baía, passava para o Castelo, através de sinalizações com bandeiras, o tipo e a nacionalidade do navio que estava entrando no porto. Da Colina, as informações eram passadas à sede do governo, na Praça XV.
Embora tenha sido fundamental para o surgimento do Rio de Janeiro, os planos de derrubar o Morro do Castelo eram antigos. No reinado de Dom João VI, quando a cidade já estava estabelecida “no chão”, se falava nos problemas que o Morro poderia causar entre eles a dificuldade da circulação de ventos e o impedimento do livre escoamento
Durante a República essa intenção ficou mais evidente. O Morro era a fronteira nítida entre a cidade “colonial e atrasada” e a cidade “européia, civilizada e moderna”. A “modernização destruidora” do Estado visava eliminar não só a cidade colonial marcada por ruas estreitas e sinuosas, como também objetivava romper com os valores culturais relacionados ao período imperial, valorizando a inserção cultural e econômica européias, principalmente pela absorção da visão do mundo francês. Construir assim um novo centro mais moderno, significaria a construção simbólica de um novo país, instaurado pela ordem Republicana.
Para a elite, a derrubada do Morro era algo essencial, pois achavam que sua presença dava a idéia de uma cidade imunda, pobre, infecta de moléstias, de clima insalubre e repleta de analfabetos. As péssimas condições de vida da população pobre carioca contribuiam para o avanço das doenças que assolavam a cidade (varíola, febre amarela, tuberculose etc.). Os trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro lutavam diariamente contra a fome, contra a moléstia e contra a civilização.
A primeira etapa do bota abaixo foi feita para dar passagem à Avenida Central, atual Rio Branco. Mas o morro desapareceu mesmo em 1920, para supostamente ceder espaço à grande exposição internacional comemorativa dos cem anos da independência do Brasil, em 1922. A Exposição do 1° Centenário de Independência dependia diretamente dos trabalhos da Prefeitura do Distrito Federal. Os pavilhões da Exposição seriam construídos em aterros provenientes do desmonte do Castelo. A Exposição buscava firmar uma imagem de modernidade para o país. A Exposição foi montada ao longo de dois eixos, entre o final da Avenida Rio Branco e a Praça XV, cujo vértice era a antiga Ponta do Calabouço, agora afastada do mar pelos sucessivos aterros. Não foram poupados esforços e recursos para mostrar que o Brasil fazia parte do “mundo civilizado” durante a Exposição do Centenário e os recursos que foram aplicados na demolição foram vultosos.
Os defensores do desmonte argumentavam que botar abaixo o Morro do Castelo também era questão de saúde pública, pois deixaria o ar circular melhor pela cidade. Os defensores de sua permanência apontavam a enorme importância histórica do lugar. Fato é que o Morro do Castelo incomodava porque, com o tempo, deixou de ser nobre e passou a ser morada de gente humilde, trabalhadores e descendentes de escravizados. Para os trabalhadores, interessava residir no centro pois era ali que se concentrava a oferta de emprego. Além disso, o custo e precariedade dos sistemas de transportes, contribuíam para a sua resistência em permanecer na área central.
Após pequenas derrubadas para a realização de aterros em algumas partes da cidade, o Morro do Castelo foi completamente devastado em 1921, pelo prefeito Carlos Sampaio. Com o arrasamento do Castelo e do bairro da Misericórdia, localizado no sopé do morro, desapareceram da área central da cidade mais duas áreas residenciais pobres que haviam resistido à reforma Passos. Somente no Castelo, residiam aproximadamente cinco mil pessoas e, especialmente para elas, o desmonte do morro produziu um impacto extraordinário, forçando a mudança de residência. A terra do desmonte do morro serviu para aterrar parte da região central da cidade, fazendo desaparecer a Praia de Santa Luzia e dando origem a um pedaço do que mais tarde se tornou o Aterro do Flamengo. Se olharmos bem, ainda há vestígios do Morro do Castelo no Rio de hoje. A Ladeira da Misericórdia, com seus tímidos 30 metros, é a única rua que sobrou do morro, e fica ao final da rua de mesmo nome, na região do Centro que, não à toa, se chama Castelo
REFERÊNCIAS
Paulo Cezar de Barros Onde nasceu a cidade do Rio de Janeiro ? ( um pouco da história do Morro do Castelo ) Revista geo-paisagem ( on line ) Vol. 1, número 2, 2002 Julho/dezembro de 2002
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