top of page
Buscar
Foto do escritordanielericco

NOVA VIDA EMBALADA PELO SAMBA

O meu lugar / é caminho de Ogum e Iansá / lá tem samba até de manhã / uma ginga em cada andar. O meu lugar / é cercado de luta e suor / esperança de um mundo melhor e cerveja pra comemorar” (Arlindo Cruz)



Roda de Samba, Lan (Lanfranco Vaselli)


Com a Reforma de Passos e retirados de suas áreas de convívência, essa população reconstruiu suas vidas em morros próximos e subúrbios distantes ao longo da linha férrea. Grande parte seguiu a malha ferroviária buscando moradia principalmente nas áreas de Madureira e Osvaldo Cruz. Era uma área de engenhos em decadência que logo foi ocupada por moradias de baixa renda ( começo dos loteamentos). Se criou um novo espaço urbano com atividades próprias, com pessoas solidárias na falta de assistência social, transporte e infra-estrutura, formando seus próprios comércios e criando seus próprios empregos. Para Milton Santos, a distância geográfica era duplicada pela distância política e estar na periferia significava dispor de meios menos efetivos para atingir as fontes e os agentes de poder (SANTOS 2008, p 118). Foram recriados meios de convívio e organização de religiões. Surgiram laços culturais e sentimentais com o subúrbio e os morros, territórios negros, onde se desenvolveu culturalmente o samba.

Apesar da pouca infra-estrutura e ausência de políticas sociais, esse povo se uniu pelos laços culturais e pela dor da exclusão. A vida social foi marcada pelo enfrentamento da dor com arte, manutenção de sua dança, música e religião, sem interferência da elite vigente. As residências eram os pontos de encontro, juntamente com os botequins, trens e casas de santo. Grupos de choro tocado e cantado se encontravam em festas em casas privadas. Segundo Cristina da Conceição Silva , seu lazer era na própria comunidade com blocos carnavalescos (posteriores escolas de samba), pagodes, pastorinhas, ladainha, jongo, embaladas pelo ritmo do samba, que se constituiu uma instituição forte e agregadora dentro da comunidade (SILVA 2013), . O deslocamento para áreas mais distantes não garantiu a não perseguição de práticas culturais afrobrasileiras pela polícia. Em nome da ordem pública, muitos sambistas (nome dados aos músicos que se expressavam através do samba) foram presos, tiveram seus instrumentos apreendidos e eram perseguidos em seus redutos e festas, considerados pontos de vadiagem e desordem. Havia até relatos da época de que o efetivo policial ficava infiltrado para provocar desordens e contribuir com o fim das festas.Donga dizia - “ a polícia sem mais aquela cercava a casa da gente, onde estava o pessoal se divertindo, mandava chamar o dono da casa e perguntava porque estava fazendo festa.”

Um dos mais famosos locais de expressão do samba na época foi a Festa da Penha Não havia rádio e a difusão e criação dos sambas se dava através dos encontros dos sambistas nas festividades – onde muitos se destacaram como Heitor dos Prazeres, Donga, Sinhó, Pixinguinha, João Pernambuco, Noel Rosa entre outros. A Festa da Penha era uma comemoração com samba que ocorria nos finais de semana de outubro em homenagem a padroeira Nossa Senhora da Penha. Era um dos eventos mais importantes do subúrbio carioca com facilidade de acesso com o trem. Recebia gente de toda as classes sociais e era onde se formavam as rodas de samba e eram criadas as músicas de Carnaval. Haviam barracas de comidas típicas, concursos de música, disputas musicais entre bairros, tudo regado a samba e crítica social.

Outro local bastante famoso era a casa de Tia Ciata na Praça Onze, que também foi um marco para o samba. Em sua residência aconteciam bailes que tocavam diversos estilos de samba e batuques conforme os cômodos da casa. Em cada compartimento se praticava um tipo de dança ou música indo da polca, valsa e choro ao samba de partido, capoeiras e batuques, da sala de visitas até o quintal. Ao fundo, havia um galpão onde era o terreiro de Candomblé. Local frequentado por pessoas de várias classes sociais, era onde a sensualidade do samba gerava atitudes ambíguas na elite branca frequentadora. Segundo Sandroni, não sofria tanta perseguição pois possuía uma certa imunidade devido a respeitabilidade de seu marido, funcionário público ligado a polícia. (SANDRONI 2001).Segundo Moura, a casa de tia Ciata gozava de uma imunidade que a mantinha inviolável, onde se podia reforçar os valores de grupo, afirmar seu passado cultural e sua vitalidade criadora recusados pela sociedade (MOURA 1995). Mas a proteção não tinha intuito de garantir livre manifestação ou acabar com as perseguições – era puro interesse de classes. A Praça Onze foi demolida para a abertura da Av. Presidente Vargas em 1940.


REFERÊNCIAS

SILVA, Cristina da conceição. O samba no Rio de Janeiro: elementos socializadores dos grupos étnicos nos quintais de Madureira e Oswaldo Cruz. Unigranrio, Rio de Janeiro, 2013.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ/Jorge Zahar Editor, 2001.

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca - Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1995.

SANTOS, Milton, Metamorfoses do Espaço Habitado, 6 ed. São Paulo, Editora Edusp, 2008.

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page