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O PALHAÇO NEGRO BENJAMIN DE OLIVEIRA

Atualizado: 31 de mar. de 2023



Numa manhã de 1889, Antônio Freitas, o palhaço Freitinhas, acordou doente. Sem condições de apresentar seu número, teve que ser substituído. Um dos donos do circo, Albano Pereira, não pensou duas vezes. Diante da desistência de outros possíveis candidatos, que preferiram pedir demissão a serem escolhidos para fazer graça, declarou: “Já sei! O moleque Benjamim vai fazer o palhaço!”.

O tal Benjamim, coitado, tremeu da cabeça aos pés. “Se não fosse preto, teria ficado pálido”, recordou, em entrevista ao livro Esses Populares Tão Desconhecidos (Raposo Carneiro, 1963), do jornalista Brício de Abreu (1903-1970).

O jovem Benja, como era chamado, ainda tentou convencer Frutuoso, o sócio da companhia, de que não era a escolha certa para arrancar gargalhadas do público. De nada adiantou. Logo em sua primeira noite como palhaço, recebeu vaias e assobios. Na noite seguinte, foram ovos e batatas...

“Não foi vaiado porque era negro. Foi vaiado porque era sem graça!”, revela Ermínia Silva, doutora em História Social da Cultura pela Universidade de Campinas (Unicamp) e autora dos livros Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil (Atlanta, 2007) e Respeitável Público... O Circo em Cena (Funarte, 2009). “Hoje em dia, cada artista tem um número específico, mas, naquele tempo, todo mundo fazia de tudo. De noite, ganhava o aplauso do público, mas, de dia, limpava bosta do cavalo. Não havia privilégios”.

Benjamim de Oliveira, nome artístico de Benjamim Chaves, nasceu em 11 de junho de 1870, em uma fazenda de Pará de Minas, a Fazenda dos Guardas, a 86 quilômetros de Belo Horizonte (MG). Era o quarto filho de um capitão do mato, Malaquias Chaves, com uma escrava doméstica, Leandra de Jesus. Ao todo, o casal teve nove filhos, “todos alforriados ao nascer”, segundo o próprio Benjamim. Sua infância, de engraçada, não teve nada: levava surra do pai “quase que diariamente”. Tantas que, quando tinha 12 anos, resolveu fugir com o primeiro circo que apareceu: o Sotero.

Bem, circo é força de expressão. O Sotero era, na verdade, uma pequena caravana de artistas que se locomovia pelo interior de Minas em carroças e carros de boi. Lá, aprendeu seus primeiros números de trapézio e acrobacia, e permaneceu por quase três anos. Mas, como o dono do circo, Sotero Ricardo Ferreira Villela, também lhe batia, fugiu de novo.

Chegou a viver com uma trupe de ciganos liderada por um velhote chamado Marcos. Um de seus filhos, Trajano, decidiu vender Benjamim como escravo ou, então, trocá-lo por um cavalo. Foi salvo por Jandira, filha de Marcos e irmã de Trajano, que contou tudo a Benjamim. Com pena do rapaz, a cigana bolou um plano para salvá-lo. Quando tossisse duas vezes, era sinal de que o pai e o irmão estavam dormindo. Nisso, Benjamim conseguiu escapar.

Até ser contratado por Frutuoso e, finalmente, estrear como palhaço, Benjamim de Oliveira passou por altos e baixos. Mais baixos do que altos. Foi preso algumas vezes. E precisou escapar outras tantas. Numa delas, foi capturado por um fazendeiro que achou que ele tivesse fugido de alguma senzala. Para provar que não era escravo, improvisou um número de acrobacia. Deu certo.

O sobrenome de Benjamim era Chaves, o mesmo de seu pai. O Oliveira é uma homenagem que prestou a Severino de Oliveira, artista circense que lhe ensinou boa parte de seus números circenses.

Benjamim de Oliveira não é o primeiro palhaço negro do Brasil. Houve outros antes dele. Como Eduardo Sebastião das Neves (1874-1919), o Diamante Negro. E depois também. Mas, foi, certamente, um dos mais versáteis: soltava a voz, tocava instrumentos, sabia dar saltos, cambalhotas e piruetas e, ainda, dançava maxixe, lundu e modinhas, entre outros ritmos...Por essas e outras, começou a receber cartas, convites e telegramas para trabalhar em outros circos. Em 1890, foi contratado pela companhia de Antônio Amaral por um salário inicial de 4 mil réis por dia. Em apenas dois anos, já ganhava quase oito vezes mais: 30 mil réis por dia.

Benjamim de Oliveira não parava quieto em um mesmo circo por muito tempo. Logo, se transferiu para a companhia de Manuel Gomes, o Comendador Caçamba. Em setembro de 1893, depois de uma apresentação em Cascadura, subúrbio do Rio, o Comendador Caçamba recebeu a visita de um espectador que, entre outros elogios, enalteceu o número do palhaço e, em seguida, lhe deu uma nota de 5 mil réis. O dono do circo ficou tão agradecido com a doação que, no calor da emoção, nem reconheceu o presidente Floriano Peixoto (1839-1895). Uma curiosidade: o caçula do “Marechal de Ferro”, José Floriano Peixoto Filho, depois de se apaixonar por uma bela trapezista, também fugiu com o circo. Mais que isso. Entre 1915 e 1940, Zeca Floriano chegou a dirigir o próprio circo, o Pavilhão Floriano. Benjamim se apresentou lá, com seu violão, no dia 27 de julho de 1921.

Em pouco tempo, Benjamim de Oliveira conquistou outros admiradores famosos: do escritor Artur Azevedo (1855-1908), um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL); ao ator Procópio Ferreira (1898-1979), um dos grandes nomes do teatro brasileiro, que o apelidou de “Mestre de Gerações”. Por volta de 1896, quando estava em Ribeirão Preto (SP), conheceu e se apaixonou por Victória Maia, a filha de um lavadeira. Os dois se casaram em 1914.

Benjamim de Oliveira morreu em 3 de maio de 1954, aos 84 anos. Não estava na miséria ou em situação precária. No entanto, morreu sem o reconhecimento que merecia. Não se sabe dizer se o fato de ele ser negro contribuiu para seu esquecimento. Pesquisadores acreditam que o fato de ser circense pesou mais pois sempre houve preconceito e discriminação. À noite, os artistas lotavam o circo. Mas, de dia, eram vistos como vagabundos e prostitutas. Fugir com o circo, aliás, era sinônimo de viver em liberdade. Isso criou a falsa ideia de que artista de circo não trabalhava. O que se sabe é que Benjamim de Oliveira foi muito além do picadeiro. Gravou discos, escreveu peças, atuou em filmes. Até organizou um campeonato de capoeira em 1913, quando era proibida por lei. Quanto à questão racial, Benjamim não levantava bandeiras, mas era um ativista. Chegou a montar um espetáculo em homenagem a João Cândido, o Almirante Negro.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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