
Na década de 1870, com a construção da Doca da Alfândega, surgiram os primeiros projetos para o desenvolvimento do Porto do Rio de Janeiro. Alguns decretos de 1890, autorizaram empresas privadas nacionais e estrangeiras a construir um conjunto de cais acostáveis, armazéns e alpendres. Foram escolhidos os trechos entre a Ilha das Cobras e o Arsenal de Marinha, e do Arsenal de Marinha até a Ponta do Caju. Em 1903, foram implantados o Cais da Gamboa e sete armazéns. A inauguração oficial do porto ocorreu em 20 de julho de 1910. Em 16 de janeiro de 1936, pela Lei nº 190, foi constituído o órgão federal autônomo, denominado Administração do Porto do Rio de Janeiro, que recebeu as instalações em transferência, ficando subordinado ao Departamento Nacional de Portos e Navegação, do Ministério da Viação e Obras Públicas. Em 9 de julho de 1973, foi aprovada a criação da Companhia Docas da Guanabara, atualmente Companhia Docas do Rio de Janeiro.
O Porto do Rio de Janeiro está atualmente compreendido em parte do Centro, Gamboa, Saúde, Santo Cristo e do Caju. Também é denominado de Porto Maravilha e Zona Portuária. O Porto do Rio de Janeiro atende aos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e sudoeste de Goiás, entre outros. É um dos mais movimentados do país quanto ao valor das mercadorias e à tonelagem. Conta com 6.740 metros de cais contínuo e um píer de 883 metros de perímetro, que compõem os seguintes trechos: Cais Mauá, Cais da Gamboa, Cais de São Cristóvão, Cais do Caju e Terminal de Manguinhos. Existem ainda dez armazéns externos oito pátios coberto, com capacidade de estocagem para 13.100 toneladas, além de outros terminais de uso privativo na Ilha do Governador (exclusivo de Shell e Esso), na baía de Guanabara (Refinaria de Manguinhos) e nas ilhas d’Água e Redonda (Petrobras).
A partir da década de 50 e com a mudança nos portos do mundo inteiro, que passaram a utilizar contêineres na década de 1970, as instalações portuárias com grandes armazéns ficaram obsoletas e a região do Porto do Rio começou a passar por uma fase de estagnação e degradação.
Em 2012, começaram os trabalhos de revitalização de uma área de 5 milhões de metros quadrados. O Elevado da Perimetral veio abaixo e foi substituído por um sistema de túneis. Na beira-mar, o transporte passou a ser por meio do veículo leve sobre trilhos (VLT), o bonde moderno, em trajeto integrado a um grande passeio reurbanizado.
Ao se tornar alvo do poder público, o porto passou por profundas transformações urbanas: a descoberta do Cais do Valongo, a abertura da Orla Prefeito Luiz Paulo Conde, a remodelação da Praça Mauá, a construção de equipamentos urbanos, como o Museu do Amanhã, o Museu de Arte do Rio – MAR e o AquaRio
Os projetos de revitalização de áreas centrais e zona portuária teve como objetivo a preparação da área para a atração de investimentos. No discurso do projeto, as características histórica, social e cultural da área, os lotes vazios e os galpões deveriam funcionar como atrativos para investimentos imobiliários. A intenção era atrair o interesse de novos investidores e a entrada de recursos financeiros, que seriam convertidos em melhorias para a área. Os moradores dos bairros afetados passariam a viver em lugares mais seguros e com mais opções de atividades e serviços. Mas as operações urbanas só funcionaram em áreas que eram de interesse do mercado imobiliário.
A área do Porto Maravilha equivale a quase um terço do centro da cidade. De acordo com o último Censo, em sua imensa maioria os habitantes da zona portuária são de baixa renda. Entre as favelas, a mais antiga do Brasil, o morro da Providência, reúne a maior parte dos moradores, concentrando 1.237 domicílios.
No plano de habitação popular do Porto Maravilha, cortiços invisíveis e programas atrasados. Tendo como meta ofertar 10 mil imóveis residenciais para famílias de baixa renda, o Plano de Habitação de Interesse Social (PHIS) do Porto Maravilha ignorou a presença de cerca de mil pessoas que vivem nos cortiços da região. Os cortiços, para muitos, são um lugar de moradia permanente, principalmente por causa da ausência de alternativas para moradias populares no centro da cidade. Por estar comprometida com os empreendimentos imobiliários, boa parte das antigas terras públicas não pode mais ser utilizada para habitação popular.
Houve investimento apenas em uma parte do porto, como a Orla Conde e a Praça Mauá, negligenciando e excluindo diversos outros locais. Na rua Sacadura Cabral, por exemplo, há no mínimo duas versões possíveis do Porto Maravilha. No trecho da rua que liga a Praça Mauá até o Cais do Valongo, alguns sobrados foram restaurados – fruto das parcerias entre o poder público e os proprietários dos imóveis. Já no trecho que vai do cais até a Praça da Harmonia, diversas edificações estão em estado de conservação precário.
Além disso, o projeto Porto Maravilha, embora tivesse como uma de suas diretrizes realizar ações de melhoria, como a implementação de creches, escolas, unidades de pronto atendimento e habitações de interesse social, logo no início da operação, moradores do Morro da Providência tiveram suas casas destruídas e foram alvo de remoções devido a instalação do teleférico, inaugurado em julho de 2014. Dezenas de imóveis foram sendo desapropriados para serem entregues à iniciativa privada sob o argumento de promover melhores condições de habitabilidade e mobilidade aos moradores da região. Muitas pessoas não conseguiram se manter na área onde moravam devido à valorização imobiliária na qual a Zona Portuária passou.

A instalação do teleférico, a demolição da Perimetral, a construção das vias Binário e Expressa e do VLT foram realizadas pela prefeitura com o propósito de melhorar a mobilidade urbana e ampliar os acessos à região. Apesar isto, moradores reclamam da suspensão de várias linhas de ônibus, o que dificulta a circulação e a conexão com outros locais da cidade. Muitos veem sua mobilidade restrita ao uso do VLT, que nem sempre circula pelos locais onde residem, pois o trajeto em ambos os sentidos não se dá pelas mesmas vias. As decisões da prefeitura acabaram se tornando ações hierarquizadas, sem a efetiva participação dos moradores para decidir questões relacionadas às suas necessidades.
O IPHAN, ao invés de se preocupar com a preservação dos espaços de convívio e das memórias sociais e suas relações múltiplas com fachadas, ruas, becos e escadarias, estaria se dedicando apenas a um tipo de salvaguarda que mistura antigas práticas monumentalistas baseadas na contemplação estética das elites culturais. Acaba gerando uma expulsão de populações locais e substituição das mesmas por uma população de classe média desejosa da experiência de habitar ou lançar empreendimentos comerciais em um ambiente bucólico e charmoso.
Nesse processo, vem sendo instalado um jogo de disputas identitárias - ressignificação da história da região com a mobilização seletiva de elementos do “passado” e a tentativa de definir novos “lugares de memória”. A operação Porto Maravilha, nesse sentido, se apresenta desenhando uma política de branqueamento do território, que se materializa no espaço, sobrepondo-se à história da região. Aos moldes Pereira Passos, as transformações arquitetônicas e urbanísticas seguiram padrões eurocêntricos, para se sobrepor à memória negra implícita naquela região. O movimento negro vem reivindicando, há muito tempo, o reconhecimento da Zona Portuária por sua história de matriz africana, de forma a dar visibilidade a elementos da cultura afro-brasileira simbolicamente presentes nessa área.
No Porto Maravilha foram realizadas diversas ações de valorização do patrimônio arquitetônico e arqueológico da região. Arquiteturas históricas, como a Igreja de São Francisco da Prainha, o Palacete Dom João VI e os galpões da Gamboa foram restaurados. Também outros locais, como Pedra do Sal, Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Cemitério dos Pretos Novos (Instituto Pretos Novos) e Centro Cultural José Bonifácio, sofreram intervenções, juntamente com a descoberta do sítio arqueológico do Cais do Valongo, reconhecido como patrimônio histórico da humanidade pela UNESCO. Juntos, estes últimos formam o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que tem sido amplamente visitado por turistas e mesmo cariocas que não conheciam a história da Zona Portuária. Apesar disso, há incertezas quanto ao futuro e a preservação do Cais do Valongo – um dos maiores portos do tráfico de escravos das Américas – e a guarda dos objetos que foram encontrados durante as escavações em 2012. O Instituto Pretos Novos (IPN) também não tem recebido reconhecimento e verbas suficientes da prefeitura, se mantendo aberto através de doações e da realização de cursos oferecidos por professores voluntários
Nota-se que apesar do discurso da prefeitura de preservar a história do porto, que tem importância nacional, estes locais acabam ficando em segundo plano nas decisões da atual gestão da cidade. Se por um lado a performance do projeto Porto Maravilha produziu como efeito a redescoberta e valorização destes locais, dando maior visibilidade à história da Diáspora Africana, por outro existem constantes debates entre moradores, especialistas, pesquisadores e representantes do movimento negro sobre a atuação do poder público, cuja performance prioriza investimentos privados em detrimento da história do lugar.
REFERÊNCIAS IBLIOGRÁFICAS
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