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OS TEMIDOS E AMADOS BATE-BOLAS

Um apito na boca, uma bola de borracha e uma fantasia colorida diferente. Alguns carregam uma sombrinha que trás a mesma estampa da roupa. Essa é uma figura bem conhecida do carnaval. O Bate-bola. Recordação divertida da infância de alguns, eles também representam o grande “bicho papão” de outros. Um misto de adoração e terror, que faz parte daquelas boas lembranças que nos leva a sentir saudade do bom e velho carnaval de rua e dos tempos de criança.

Surgiram no Rio de Janeiro sobre a influência da colonização portuguesa e de outras festas como a folia de reis. Há ainda quem diga que escravos libertos que por vezes eram perseguidos injustamente pela polícia, vestiam as fantasias para poder brincar livremente o carnaval e, “usar o Bate-bola” para protestar contra a opressão. Assim, não seguindo regras e batendo com força no chão as bolas feitas a partir de bexiga de bois mostravam que tinham força e poder para juntos incomodar e transformar.

Alguns os chamam de “Clóvis”. Dizem que o nome surgiu a partir da pronúncia equivocada dos populares - no início do século XX eruditos chamavam os foliões fantasiados de “Clown”, palava inglesa que significa “palhaço”. Assim, os brasileiros da época, não muito familiarizados com o inglês, passaram a chamar os “Clown” de “Clóvis”.

Segundo estudiosos, a disputa de espaço nas ruas realizada pelas turmas de clóvis é um tipo de diversão ligado a áreas mais rurais. A tradição encontrou terreno fértil no subúrbio da cidade durante o início do século XX, quando matadouros instalados na região forneciam as bexigas de bois e porcos usadas para produzir as primeiras bolas.

Atualmente, a paixão pelo Bate-Bola passa de pai para filho, principalmente nos subúrbios cariocas e se mantém com algumas renovações, principalmente com relação às bolas que hoje são de material sintético, bem diferente das de bexiga de boi. Embora mantenham as máscaras e fantasias características, alguns resolveram inovar um pouco - para não deixar crianças com medo e nem incomodar como barulho das bolas, lançadas com força ao chão, passaram a utilizar no lugar das barulhentas bolas, sombrinhas coloridas.

Hoje, os bate-bolas não se limitam a apenas fazer barulho: Organizaram-se em grupos e turmas que passam quase o ano inteiro preparando fantasias e seguindo um cronograma do seu desfile de carnaval, que tem até queima de fogos na saída, equipe de som, festas e churrascos animados ao som de samba e funks especialmente compostos em homenagem a turma

O “Bicho-papão” do carnaval de antigamente, virou atração e conquista a muitos, até mesmo crianças: se antes elas se escondiam de medo, hoje querem fazer parte da turma. Os integrantes geralmente são homens moradores do mesmo bairro, a maioria residente em bairros das zonas Oeste e Norte da cidade do Rio de Janeiro, com idade entre 25 e 40 anos que se unem para brincar o carnaval com trajes temáticos. As turmas possuem um líder –responsável pela decisão do tema e organização de festas e saídas.

Existe a hipótese da vestimenta dos bate-bolas cariocas ser uma variação de fantasias europeias com origem em mitos celtas. Embora a indumentária do bate-bola possa ser reconhecida por conter certos elementos materiais típicos (como o macacão, a máscara e a bexiga), atualmente não há um único padrão visual que corresponda à brincadeira. Existe, nos dias de hoje, um movimento constante de renovação na visualidade das fantasias, tornando as indumentárias cada vez mais complexas.


Elementos da indumentária do bate-bola


· Macacões - que podem ser curtos, na altura dos joelhos, médios ou longos, com mangas forradas, bufantes ou compridas ou até sem mangas. A parte de baixo do macacão corresponde a uma saia. Os tecidos empregados costumam ser os superfície lisa e brilhante, como o cetim, e podem ser usados nos padrões liso, listrado ou ainda estampados

· Casaca – gliterada, podendo ser fechada sem abertura ou com abertura frontal, vestida sobre o macacão. Normalmente é forrada de espuma fina para se obter um aspecto “armado”. Costuma ser estampada com os motivos temáticos do grupo.

· Bolero - é vestido sobre o macacão. Possui parte frontal curta e parte traseira comprida.

· Capa - geralmente bordada, é usada amarrada no pescoço ou presa na fantasia. Pende sobre a parte traseira do macacão.

· Máscara decorada - O “rosto” da máscara costuma ser feito de tela plástica e seus traços podem ser pintados por encomenda, de forma personalizada. A parte de tecido por trás da máscara é chamada de “capuz”. Sobre a cabeça mascarada pode ser colocada uma peruca.

· Adereços de cabeça - frequentemente são temáticos. Não possuem formas específicas, podendo aparecer, por exemplo, como uma cartola, um peixe, um capacete de super-herói etc.

· Bexiga - É o artefato industrializado em formato oval, feito de material plástico inflado com ar. Possui orifício em uma das extremidades, por onde passa um cordão. O cordão da bexiga costuma ser atado a um bastão de madeira, pelo qual ela será manuseada. A bexiga costuma ser girada no ar e batida no chão. O modelo industrializado substituiu as bexigas de animais (como porco ou boi), usadas anteriormente.

· Sombrinha - é um adereço de mão bastante comum. Geralmente é decorada seguindo os mesmos motivos temáticos das fantasias. A sombrinha é frequentemente associada ao uso de um boneco de pelúcia, chamado simplesmente de “bicho” ou “boneco”.

· Bicho (ou boneco) - É um adereço de mão ligado ao tema da fantasia. Geralmente corresponde a um bicho de pelúcia industrializado, podendo também ser feito à mão.

· Luvas - geralmente compridas, as luvas costumam cores ou padrões relacionados ao tema da fantasia.

· Meiões - espécies de meia-calça usada sob o macacão.

· Botas - são peças que complementam o calçado, mas não se confundem com eles. Apesar da denominação, são uma espécie de “polaina” de cano longo decorada com motivos gráficos. A base da bota costuma ser feita de material emborrachado. Seu fechamento, em volta da panturrilha, geralmente é realizado através de velcro.






Estilos de grupos de bate-bolas:


· Estilo “bola e bandeira” -tem esse nome devido ao uso conjunto da bexiga e da bandeira de mão.

· Estilo “bicho e sombrinha” - também chamado de “bicho e boneco”, apresenta dois adereços de mão característicos: a sombrinha e o bicho (ou boneco).

· Estilo “emília” - recebe este nome devido ao uso das perucas características.

· Estilo “rastafári” - acredita- se que o nome deste estilo tenha relação com uma das fantasias usadas pela Turma do Vovô, do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, que teria homenageado Bob Marley com roupas de bate-bolas complementadas por boinas rastafáris feitas em crochê, nas cores da bandeira jamaicana.

· Estilo “bujão” - O nome do estilo, bujão, ou peito de rolinha, refere-se ao tipo do macacão característico, que é o mais volumoso entre todos os tipos observados.


Mudando a cada ano, os temas norteiam a decoração das roupas influenciando as estampas nos macacões, os motivos gráficos das máscaras, casacas, peitorais, boleros e capas, a escolha dos adereços em geral e mesmo os materiais usados para confeccionar estas peças. Quase sempre ligados à cultura de massa, os assuntos eleitos para temas de fantasias de bate-bola variam conforme o estilo adotado e o tipo de comportamento associado a cada grupo. Turmas de “bola e bandeira” costumam ser percebidas como as mais “agressivas”; turmas do estilo “emília” são vistas como as mais “artesanais”, e assim por diante. Em outras palavras, dizemos que cada estilo carrega consigo uma espécie de perfil de comportamento reafirmado através dos temas escolhidos e da expressão visual das fantasias.


As turmas do estilo “bola e bandeira” costumam adotar como temas ícones da música popular, fatos históricos, super-heróis dos quadrinhos e ídolos do cinema (principalmente aqueles ligados a filmes de ação). Suas escolhas parecem privilegiar símbolos de força e agilidade. Aas turmas do estilo “bicho e sombrinha” preferem adotar temas relacionados aos desenhos animados, quadrinhos infantis e histórias de contos de fada. Suas escolhas frequentemente correspondem a temas mais lúdicos, singelos e coloridos. As turmas do estilo “emília” costumam possuir emblemas que simbolizam o grupo e, sendo assim, não mudam anualmente.


As turmas do estilo “rastafári” pode ter emblemas e adotar temas, de maneira semelhante ao que fazem as turmas do estilo “emília”. Entretanto, costumam seguir certas técnicas no beneficiamento de suas fantasias (como a do bordado) e não adotam as mudanças com muita facilidade. Por isso, são vistas como turmas tradicionais.


As turmas do estilo “bujão” podem adotar temas. Correspondem a um estilo definido recentemente e são percebidas como as turmas que usam elementos daquela que seria a fantasia “original” dos bate-bolas da Zona Oeste do Rio de Janeiro.


A brincadeira de bate-bola baseia-se em certas formas de exibição. A primeira aparição pública das turmas de bate-bolas no carnaval costuma constituir um evento ritual conhecido como “saída de turma” e pode requerer diferentes níveis de preparação antecipada, mostrando variados graus complexidade. Geralmente as saídas ocorrem nos domingos de carnaval, mas esta não é uma regra rígida, pois também há turmas que realizam suas saídas nos sábados de carnaval. Para algumas turmas, o momento da saída constitui o auge da brincadeira. As informações do local, do dia e do horário do evento são transmitidas informalmente para a comunidade, geralmente por comunicação oral, momentos antes de acontecer. As saídas de turma podem ser aguardadas com ansiedade pelo público espectador. De acordo com o volume de espectadores – que costuma ter relação com o poder e a fama das turmas – pode haver, inclusive, uma estrutura rudimentar de comerciantes ambulantes no local. Para anunciar que é chegada a hora de abrir os portões e liberar a passagem dos fantasiados, algumas turmas promovem queima de fogos. É comum também haver sonorização do evento, através de equipamentos de som montados no local ou do uso de carros de som. No momento da saída, o hino da turma costuma ser tocado e então, os fantasiados tomam o espaço público apresentando uma espécie de coreografia constituída por muita correria, movimento e barulho. Em seguida, os fantasiados costumam posar (com ou sem máscaras) para fotos e filmagens. Toda esta apresentação dura entre 15 e 20 minutos, em média. Passado este tempo, os bate-bolas tendem a se dispersar em grupos menores pelas redondezas, voltando a se reunir mais tarde para circularem juntos nos carnavais de coreto de outras localidades da cidade ou para participarem de concursos de fantasias.


Os concursos de fantasias são eventos de relativa importância no universo dos bate-bolas. Atualmente são realizados concursos de fantasias de bate-bolas em alguns bairros da cidade além do Concurso Folião Original, disputa oficial promovida pela Riotur. Existem ainda formas não-oficializadas de disputa entre as turmas de bate-bolas. Nestes “concursos” não-oficiais, os critérios são livres: compete-se pelo posto de turma mais numerosa, com fantasia mais bonita, com o maior ou o mais expressivo uso de inovações, de turma mais tradicional e de grupo mais popular entre outros “quesitos”.

Os bate-bolas se espalharam pela cidade e a quantidade de foliões só cresceu nos últimos anos. Em 2012, a Prefeitura declarou os grupos de foliões carnavalescos denominados clóvis ou bate-bolas como Patrimônio Cultural Carioca de Natureza Imaterial. O decreto leva em consideração a importância desses grupos como personagens típicos do carnaval que refletem a forma alegre e irreverente da população suburbana festejar. E, ainda, a capacidade popular de produzir uma manifestação tradicional como forma de resistência à massificação da folia.


REFERÊNCIAS


Aline V. V. Gualda Pereira/Luiz Felipe Ferreira. Turmas de bate -bolas do carnaval contemporâneo do rio de janeiro: diversidade e dinâmica. Visualidades. Revista do Programa de Mestrado em Cultura Visual - FAV I UFG





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