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PRAIAS CARIOCAS - SUAS TRANSFORMAÇÕES ATÉ SE TORNAREM IDENTIDADE CARIOCA


O Rio de Janeiro possui uma linha divisória com o mar que soma 155,5 km de extensão, divididos em 74 km sobre a Baía de Guanabara, 38,5 km sobre o Oceano Atlântico e 43 km sobre a Baía de Sepetiba. Dessa linha de costa, há 78,4 km de praias. Pode-se considerar que cerca de 72 praias estão habilitadas para o banho de sol, de mar, para o lazer, o esporte, a recreação, a sociabilidade e todas as atividades de apoio geradas por sua intensa utilização.

Até o final do século 19, todo o Rio de Janeiro era cercado de praias. Para que a cidade ganhasse espaço, muitos aterros foram feitos e assim muitas praias e enseadas deixaram de existir como muitas das antigas lagoas da cidade. Era nas praias que os portugueses desembarcavam e partiam, pois o único meio de transporte para além-mar e locais distantes do próprio Brasil e do Rio de Janeiro era através do mar, além de ser de vital importância para a subsistência, como a pesca. As praias não eram tidas como local de mero lazer como nos dias de hoje e não era usual o banho de mar.

No início do século 20, a cidade passou por inúmeras transformações urbanísticas com desmonte de alguns morros e muitos aterros. Desapareceram a Praia do Russel na Glória, a Praia da Ajuda onde foram feitos aterros em frente à Cinelândia, a Praia de Santa Luzia que ficava em frente à Igreja de Santa Luzia no Centro da Cidade, a Praia Dom Manuel e Praia do Peixe que ficavam uma de cada lado da Praça 15, bem como a própria praia em frente a Praça 15, que chegava próxima à Rua Primeiro de Março no início da colonização, foi cada vez ficando mais afastada até se tornar cais de barcas, assim desaparecendo do cenário natural. Entre a Praça 15 e Praça Mauá, tudo era faixa de praia e a chamada Prainha ficava onde hoje é a Praça Mauá. Existiram também praias em frente ao bairro da Saúde que chegava até a Rua Sacadura Cabral, assim como a Praia da Gamboa que era local de pescadores, e o Saco ou pequena Enseada do Alferes na mesma área. Estas áreas da Saúde e Gamboa foram aterradas para construção do Porto do Rio de Janeiro no início do século 20. O Saco de São Cristóvão com a Praia de São Cristóvão foi totalmente aterrado, pois havia uma grande entrada de mar onde é o atual bairro do Santo Cristo e onde está a Rodoviária Novo Rio e Rua Francisco Bicalho, sendo que este aterro se estendeu até áreas do porto do Rio e armazéns do porto em direção à São Cristóvão. Onde era o Saco de Cristóvão, no local foi construído um canal pela Rua Francisco Bicalho que se curva e se prolonga até perto da Praça Onze, na Av. Presidente Vargas.

Hoje em dia, se o carioca ou o turista que visita o Rio de Janeiro quiser aproveitar uma praia no verão precisa ir para as praias das Zonas Sul ou Oeste. Mas, o que muita gente não sabe é que o centro da Cidade Maravilhosa também já teve suas praias.

No período de conquista colonial, quem chegava do mar encontrava, além de ilhas desertas, uma costa formada por rochedos graníticos, restingas, mangues, desembocadura de rios, lagoas e, para além desta paisagem litoral, figuravam os montes e a serra tropical. Ao longo do processo de crescimento urbano, cada nova parcela de espaço urbano construído correspondia um avanço sobre os mangues, os pântanos e praias.

A economia colonial, voltada para a produção de açúcar e exploração das riquezas naturais do país, exigia que se ampliasse o território para além do núcleo urbano. Tornava-se necessário preparar também novas áreas para embarcadouros, atividade que se desenvolveu apoiada na atual Rua Primeira de Março, e abrir vias de comunicação com traçado paralelo e perpendicular ao mar para ligar a costa ao interior facilitando a circulação das mercadorias.

O crescimento da cidade rumo ao litoral norte também foi progressivo, impulsionado pelas atividades portuárias que procuravam uma situação mais atraente para os navios e pelo novo papel do comércio portuário, sobretudo com a implantação do mercado de escravos na região do Valongo a partir dos anos 1830. A morfologia desse litoral foi mudando, através da construção de trapiches e aterrados, que projetaram a fronteira de suas praias para águas mais profundas das enseadas formadas pelas antigas praias do Valongo, Saúde e Saco de São Diogo, onde se encontrava uma fonte de abastecimento de água potável para os navios. O aumento das atividades comerciais baseadas na extração das riquezas (açúcar, ouro e depois café) e as correspondentes infra-estruturas portuárias mudaram definitivamente a morfologia deste litoral, que se tornou o espaço portuário por excelência e assim permanece até os dias de hoje. A direta consequência foi o completo desaparecimento das praias que ali existiam.

Os aterros nas áreas do Centro se faziam necessários na época para o desenvolvimento da cidade. As praias contíguas ao centro histórico foram transformadas em porto comercial e de passageiros. Neste processo, as praias mais ao sul e as atlânticas acabaram destinadas ao lazer da população. O Rio assim passou de cidade portuária a cidade balneária e importante polo turístico do Brasil.

A expansão urbana para o sul e sudeste, em direção às praias oceânicas no começo do século XX, coincidiu com o início da moda balneária na Europa. E na sociedade carioca, caracterizada por uma cultura narcisista de seus habitantes, a praia assumiu a condição de “mito urbano”. Por outro lado, houve a emergência de um setor imobiliário disposto a aproveitar as vantagens da urbe “à beira mar” incitando o desenvolvimento da cidade comprimida entre as praias, montes e lagoas. Para além destes dois aspectos, a praia significa trabalho e renda para uma parcela importante da população, mobilizando um grande número de trabalhadores, tanto em seu uso cotidiano, quanto nas grandes festas públicas, como o Ano Novo, ou os grandes eventos esportivos e culturais

Durante a gestão do prefeito Pereira Passos, no início do século XX, deu-se o primeiro aterro marítimo de grandes dimensões com o objetivo de criar uma área central portuária: a demolição do Morro do Senado para aterrar 170 hectares sobre o mar, diante dos morros do Livramento, Conceição, Providência e Saúde. A nova linha de costa possibilitou a construção do berço da Gamboa, primeiro cais do porto moderno. No extremo oeste do cais, o canal do Mangue foi estendido e criou-se a Avenida Francisco Bicalho como elemento de sutura com a cidade antiga. A partir da Praça Mauá, no outro extremo do berço, iniciaram-se as obras da Avenida Central, atual Rio Branco, de 1.750 metros de comprimento e 22 metros de largura, projetada ao estilo dos “boulevards” de Haussmann (prefeito de Paris), e que suportaria os primeiros edifícios modernos do Rio atual. Entre as obras dessa época, destaca-se a abertura da Avenida Beira Mar, estendendo-se a linha litoral do entroncamento da praia de Santa Luzia até o Largo da Glória, área que recebeu um projeto de ajardinamento e arborização com atributo de praça.

E assim o Rio vai construindo sua própria morfologia e, com repetidos aterros, vai mudando suas praias de lugar avançando mar adentro. Criou-se uma praia artificial, a atual Praia Vermelha, com terras extraídas do Pão de Açúcar, unindo este à cidade, já que na época da fundação, o morro do Pão de Açucar,, Cara de cão e da Urca formavam uma ilha chamada Ilha da Trindade . Mais tarde, nos anos 20, foi realizado um aterro de 2 km2 de extensão para a construção do bairro da Urca. Se estabeleceu uma forma de crescimento para o sul, para o mar aberto. Criando dessa forma um modelo cujos frutos, hoje, são bairros como Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra da Tijuca.

O Morro de Castelo, sede da fundação da cidade, foi paradoxalmente demolido. Foram removidos 4,5 milhões de m³ de terras e avançados ao mar 67 mil m² de solo. Nos anos quarenta, ali se construiu o Aeroporto Santos Dumont, ampliando a área de aterro no limite com o mar. Essa operação fez desaparecer as históricas Praias de Santa Luzia e a Ponta do Calabouço. Com a terra proveniente do Morro do Castelo também se levou a cabo, em 1930, outra das grandes operações de construção da cidade: o saneamento e urbanização da orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, com criação de uma ampla plataforma de cidade e a canalização do braço de água que a unia ao mar, criando o atual Jardim de Alah.

Enquanto no Centro as transformações da costa se consolidavam e o rompimento da topografia se completava, a urbanização avançava em direção ao sul da cidade. A expansão segue a seqüência de urbanização dos bairros da Glória, Flamengo e Botafogo e de suas respectivas praias com a implantação da avenida à beira-mar dotada de arborização e jardins desenhados segundo o estilo francês da época Essas intervenções proporcionaram à cidade uma nova fachada marítima onde o paisagismo começava a assumir um papel importante Estas obras de urbanização do Centro a Botafogo podem ser consideradas como o início da expansão para o sul e de transformação da relação com o mar, num crescente diálogo entre cidade e sua orla.


Praia de Botafogo 1868


O crescimento urbano ocorrido em Botafogo no século XIX aliado à fama que foi adquirindo a Praia de Copacabana devido ao “clima esplêndido e salubre”, determinou a abertura de um primeiro acesso urbanizado em 1855, através de uma ladeira, a atual Tabajaras, propiciando a construção das primeiras casas. Com a construção do Túnel Velho em 1892, os bondes passaram a atender ao novo bairro, e com a posterior circulação de bondes elétricos o bairro prosperou, estando por volta de 1930, totalmente loteado e urbanizado. O cais de pedra construído para deter as constantes ressacas delimitou a avenida da orla marítima nos seus 4,5km de extensão, criando a hoje célebre Avenida Atlântica. Esta avenida, somada ao famoso hotel que ali foi erguido em 1923, o Copacabana Palace, determinaram o perfil de Copacabana inspirado no balneário mediterrâneo europeu.



Copacabana 1893


A partir desta época o banho de mar se tornaria uma moda no Rio de Janeiro. Os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial houve um grande boom imobiliário. Para torná-lo possível, recorre-se às operações de aterro da costa e à construção de túneis. Em direção ao sul, para além da Urca, amplia-se o Túnel Novo e na década de 1970 iniciam-se importantes obras em Copacabana para a construção do interceptor oceânico, obra de saneamento de grande porte para atender a toda a Zona Sul, o alargamento da Avenida Atlântica para deter as constantes ressacas e a transformação da praia natural de Copacabana em praia aterrada e artificial. Há de se destacar o passeio marítimo com desenho paisagístico de Burle Marx



Praia do Flamengo sem o Aterro


Nos anos 60, o Rio de Janeiro vive um período de crise provocado pela perda para Brasília da condição de capital do país. O primeiro governador eleito do período, Carlos Lacerda, promoveu uma intensa campanha de obras públicas para o saneamento e urbanização da cidade. A obra mais significativa desse período foi o Parque do Flamengo ou Aterro, de 1964, já iniciado na década anterior. O desmonte do Morro de Santo Antônio proporcionou o material para o aterro, de grandes dimensões, e que permitiu à cidade um parque único à beira-mar retificando o perfil das praias do Flamengo e também de Botafogo.

No início da década de 70, decide-se ampliar o anel viário litorâneo – ocorre o alargamento das praias de Copacabana, o alargamento de Ipanema e Leblon e a criação da auto estrada Lagoa Barra, que daria passagem ao desenvolvimento da Baixada de Jacarepaguá.

Desde a utilização medicinal das praias a partir do final do século XVIII até as mais variadas e sofisticadas atividades esportivas da atualidade, as praias transformaram-se no espaço de lazer preferido dos habitantes do Rio. Os benefícios do sol e os aspectos terapêuticos do mar, conhecidos desde o banho de D. João VI na praia de São Cristóvão, estimularam o interesse da sociedade carioca pelas novidades européias. Da mesma maneira, a original decisão da rainha Carlota Joaquina de fixar residência num solar de frente para a praia, em Botafogo, bairro quase deserto em princípios do século XIX, antecipou uma tendência que um século mais tarde se concretizou com a ocupação dessas áreas para uso de uma classe de maior poder econômico.


Casa de Banho D, João VI



Palacete de Carlota Joaquina em Botafogo


O cotidiano carioca do fim de século XIX incluía nos seus hábitos o “se levantar cedo, o banho de mar discreto, sem publicidade, roupas que cobriam todo o corpo (do punho ao tornozelo), de preferência em alguma praia deserta, como Leme, Copacabana, Ipanema ou Leblon”. O impulso dado aos meios de transporte, desde os bondes elétricos até os primeiros carros, permitiu à população desfrutar dos prazeres do mar, sempre mais integrados à cidade. A praia tornou-se moda, respeitando, entretanto, a peculiaridade

brasileira de manter esse espaço livre para o lazer e a programação habitual do fim de semana e das férias. A moda da praia coincidiu com a descoberta do esporte e a valorização do corpo, não mais do ponto de vista ideal, mas físico. O culto à beleza, associado às possibilidades atléticas do corpo, expandiram-se para as grandes massas urbanas. O cinema hollywoodiano em muito contribuiu para esta nova imagem. Surgiu o frescobol, como adaptação do jogo de tênis para a praia. A introdução do futevôlei ocorreu em 1965, também em Copacabana, como alternativa à proibição de se jogar o futebol na areia, prática hoje já regulamentada, em horários e campos fixos. Nas décadas de 1960 e 1970 houve uma migração dos jovens para as praias de Ipanema e Leblon. O esporte preferido nesta época era o “jacaré”, uma espécie de surfe de peito praticado sobre pranchas de madeira. Na Pedra do Arpoador, se iniciou a prática de pesca submarina e mergulho; era ali que se encontravam também as melhores ondas para surfar. A Ponta do Arpoador serviu de palco da emancipação cultural de diversas gerações, abrindo espaço para a modernidade, como o aparecimento do biquíni e à difusão dos primeiros rádios de pilha.



Praia de Ipanema vista do Arpoador



Praia de São Conrado


Barra da Tijuca anos 60


A conquista, a ocupação, o auge da popularidade de um determinado trecho de praia, seu declínio ou a migração dos modismos de um local para outro, marcaram as sucessivas etapas da história das praias e da moda no Rio de Janeiro: desde a Copacabana dos anos 1930 e 1940; o Arpoador dos anos 1960 e 1970; o Píer ou o Posto 9 de Ipanema nos anos 1980; e a praia do Pepê na Barra da Tijuca, a Reserva e o Recreio do início dos anos 1990, e, outra vez, Ipanema, são exemplos de praias frequentadas por usuários de perfil bem definido, ou seja, banhistas, surfistas, artistas, desportistas ou gente sofisticada que cria moda a cada verão na cidade.

A praia torna-se um território onde as diversas classes se misturam, no qual surgiram símbolos, idiomas, músicas, imagens, personagens e acontecimentos que constituem o acervo da história urbana e carioca. Contudo, com a crescente densidade urbana, a poluição, a desordem e a violência vinham ofuscando a nobreza das praias cariocas

Nos inícios dos anos 1990, por ocasião da Rio 92, surgiu um apelo para a requalificação da orla marítima do Rio de Janeiro. Surge o projeto “RIO ORLA”, voltado à recuperação da orla do Leme até o Pontal. A urbanização das praias ainda virgens da Barra da Tijuca, criação de quiosques em substituição aos antigos e decadentes “trailers”, a inovação das ciclovia de quase 30 km de extensão, o paisagismo, a iluminação noturna das praias convocando para a utilização noturna e uma melhor distribuição dos diversos desportos na areia, foram iniciativas que agradaram a todos.


REFERÊNCIAS

Verena Andreatta; Maria Pace Chiavari; Helena Rego O Rio de Janeiro e a sua orla: história, projetos e identidade carioca Nº 20091201 Dezembro – 2009 - SMU/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro



https://diariodorio.com/as-praias-extintas-da-cidade-do-rio-de-janeiro/



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