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REFORMA DE PEREIRA PASSOS E SUA RELAÇÃO COM O SAMBA


Com a virada do século XIX para o século XX, ocorreram muitas mudanças – abolição da escravatura, aumento da mão-de-obra livre, êxodo rural e imigração.

No início do século XX, o Brasil experimentava um potencial de crescimento econômico. No Governo de Rodrigues Alves, houve um aumento do comércio externo. Buscava-se impulsionar a economia do país baseada na agroexportação do café e atrair capital estrangeiro. Isso gerou a necessidade de uma reforma na cidade do Rio de Janeiro com ampliação do cais já que o porto possuia áreas de estocagem pequena e profundidade rasa. Suas ruas eram estreitas, tortuosas, escuras e em declive exigiam a abertura de avenidas de forma a se ter um sistema viário que facilitasse a distribuição de mercadorias. Além das necessidades urbanísticas de cunho econômico, haviam também questões de cunho estético e sanitários a serem resolvidas. Desejava-se a destruição da herança colonial portuguesa, considerada atrasada, fora o fato de que a cidade do Rio de Janeiro, capital brasileira, tinha sérios problemas de saneamento básico. Seu centro comercial era cercado de habitações insalubres, com epidemia de doenças. Havia problemas de abastecimento de água potável e um sistema de esgoto bastante obsoleto. Todas essas condições traziam prejuizo ao desenvolvimento econômico. De acordo com Sevcenko (SEVCENKO 1985, p 28-29), além de ser um problema para a população pobre era uma questão urgente de bem estar público.

Pereira Passos , prefeito do Rio na época, ficou incumbido de realizar uma reforma urbana visando saneamento, urbanismo e embelezamento das cidades. Inspirado na reforma parisiense de Haussmann, tentou remodelar toda cidade para que fizesse juz ao seu crescimento econômico e acabasse com a visão de atraso. Construiu edificações comerciais para empresas estrangeiras, avenidas largas, arejadas, arborizadas e bem iluminadas, melhorou o sistema de transporte, ampliou ruas, modernizou a zona portuária, derrubou morros, construi estradas de ferro e embelezou a cidade aos moldes dos boulevard de Paris. Foi o período da Belle Époque, onde as modificações vislumbravam um glamour parisiense, civilização e progresso por toda cidade. Era como um cartão de visitas, digno dos créditos bancários e políticos.


O maior empecilho de todos e uma barreira a seus ideais modernistas eram os cortiços. Os cortiços eram as moradias coletivas mais acessíveis a classe trabalhadora. de origem negra e considerada antro de vadios e malandros. Com o aumento populacional, houve um grande aumento dessas acomodações insalubres e sem saneamento básico o que favorecia o desenvolvimento de doenças contagiosas como varíola, tuberculose e febre amarela. A solução encontrada foi a derrubada dessas habitações de forma a controlar a propagação de doenças e promover reformas sanitárias. Foram impostas medidas higienistas e autorizada, através da legislação, a proibição de novas construções do tipo e a derrubada de casarões antigos e cortiços. A derrubada dos cortiços foi conhecida popularmente pelo nome de “Bota-Abaixo” e para a elite foi considerada uma vitória da higiene, bom gosto e arte, segundo Olavo Bilac, jornalista e poeta da época. Lia de Aquino Carvalho descreve a reforma urbana de Pereira Passos como uma verdadeira “guerra” contra as habitações populares, que seriam foco de doenças e maus costumes (CARVALHO 1995). Segundo Chalhoub, a associação entre “classes pobres” e “classes perigosas” culpalizava os trabalhadores por sua miséria como se eles escolhessem morar em habitações precárias ou como se estivessem imersos em desvios morais incorrigíveis (CHALHOUB 2001). E acrescenta, que se partia do princípio que pobres carregavam vícios e os vícios produziam malfeitores que são perigosos à sociedade (CHALHOUB 1996).

A modernização, de longe, foi um processo libertador. Para muitos autores, foi considerada uma limpeza étnica e racial, um branqueamento territorial, uma ação autoritária e excludente em nome do embelezamento urbano e da higiene Benchimol considera que as reformas foram o meio para proporcionar a renovação urbana e excluir um conjunto social específico – as classes populares – para que esse novo espaço fosse ocupado pelas classes abastadas (BENCHIMOL 1990). A derrubada dos cortiços gerou à expulsão de uma população, de maioria negra e de suas práticas culturais. Seus costumes, considerados selvagens e bárbaros, geravam preconceito e desconfiança. O negro passou a ser uma ameaça a ordem social e política sofrendo segregação socioespacial. Era uma nova massa populacional, a maioria desempregada ou sujeita à trabalhos informais, sendo culpalizada pelos problemas decorrentes da falta de planejamento urbano. (MIRANDA 1990, p 85-97). Além da derrubada de suas casas, foram proibidas diversas práticas e costumes dessa, população, como rodas de samba, capoeiras, comércio de ruas. Era a criminalização dos saberes negros. Objetivava-se um saneamento étnico com expulsão das práticas culturais africanas, afastamento de pessoas ditas com caráter indolente, maus hábitos e vícios. Segundo Sevcenko, a perseguição aos cortiços tinham como objetivo limpar a cidade dos habitantes indesejáveis, reservando o espaço do centro para as atividades comerciais e lazer da burguesia, o que se evidenciava também na perseguição às manifestações culturais como o samba, carnaval e outras festas populares. (SEVCENKO 1985:33). Ainda complementava, dizendo que a população foi reduzida a vagabundos compulsórios, revezando-se entre as únicas práticas alternativas que lhe restavam: subemprego, mendicância, criminalidade, expedientes eventuais e incertos (SEVCENKO 2003, p 83). A derrubada dos cortiços não previa a construção de habitações salubres em substituição. A isenção de impostos para a iniciativa privada gerou construções ineficientes e caras. Essa população desabrigada, não teve alternativa a não ser se deslocar para os subúrbios. Alguns, devido a dificuldade de locomoção, ocuparam os morros do Centro.

Retirados de suas áreas de convívência, essa população reconstruiu suas vidas em morros próximos e subúrbios distantes ao longo da linha férrea. Grande parte seguiu a malha ferroviária buscando moradia principalmente nas áreas de Madureira e Osvaldo Cruz. Era uma área de engenhos em decadência que logo foi ocupada por moradias de baixa renda ( começo dos loteamentos). Se criou um novo espaço urbano com atividades próprias, com pessoas solidárias na falta de assistência social, transporte e infra-estrutura, formando seus próprios comércios e criando seus próprios empregos. Para Milton Santos, a distância geográfica era duplicada pela distância política e estar na periferia significava dispor de meios menos efetivos para atingir as fontes e os agentes de poder (SANTOS 2008, p 118). Foram recriados meios de convívio e organização de religiões. Surgiram laços culturais e sentimentais com o subúrbio e os morros, territórios negros, onde se desenvolveu culturalmente o samba.

REFERÊNCIAS

SEVCENKO, Nicolau. Literatura Como Missão: Tensões Sociais e Criação Social na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1985.

SEVSCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República, 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003

SANTOS, Milton, Metamorfoses do Espaço Habitado, 6 ed. São Paulo, Editora Edusp, 2008.

MIRANDA, Dilmar Santos de. A cidade e o samba. Opus, Logos: Comunicação & Universidade - Vol. 1, N° 1. Rio de Janeiro: UERJ, Faculdade de Comunicação Social, p.85-97, 1990.

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical: a renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1990.

CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1996. Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. Campinas: Editora UNICAMP, 2001

CARVALHO, Lia de Aquino. A era das demolições: cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920. Rio de Janeiro: Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1995.




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