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REMO - O ESPORTE QUE MUDOU OS PADRÕES COMPORTAMENTAIS E ESTÉTICOS DO RIO DE JANEIRO



O estabelecimento de um esporte está diretamente ligado ao seu potencial de gerar um mercado ao seu redor, à sua capacidade de envolver pessoas interessadas em obter lucros e em investir em seu crescimento, ter um espaço significativo na imprensa/mídia. O surgimento de ídolos e a obtenção de bons resultados são aspectos centrais. Um esporte que não obtém resultados positivos vê o interesse ao seu redor diminuído, logo ficando também mais exposto ao desinteresse dos investidores.

O turfe, o primeiro esporte a se organizar no país, já tinha dado seus primeiros passos , gozando de reconhecimento e de certa notoriedade na cidade. Foi o que apresentou pioneiramente uma organização mais estruturada e uma forte inserção social. O turfe tinha forte relação com seu caráter aristocrático, com sua identificação como 'hábito europeu' e era considerado um entretenimento 'sadio', o que o tornava mais aceito pelas camadas mais ricas e influentes.

Já o remo se organizou posteriormente, o mesmo acontecendo com outros esportes aquáticos, corno a natação. Isso se deve as condições urbanas do Rio de Janeiro na época. O Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX não era absolutamente urna cidade limpa e saneada. As condições de saneamento (salubridade) e de saúde da população eram péssimas. Sem uma estrutura de esgotos, de coleta de lixo e de abastecimento de água, a população era constantemente agredida pelas epidemias de doenças tropicais, como a cólera e a febre amarela. Além disso, a medicina era pouco eficiente sem contar com os costumes pouco higiênicos trazidos pelos colonos portugueses. O banho não era um hábito entre os habitantes da cidade. A higiene diária era realizada pela manhã e constituía-se em passar no corpo um pano embebido em aguardente e/ou loção. A preocupação com a higiene estava mais ligada a questões de civilidade e boa convivência do que propriamente à saúde. Lavar-se significava trocar de roupa; e obviamente esta era urna compreensão observável no âmbito das elites. Apenas alguns indivíduos das camadas populares se banhavam nos rios e no mar. O costume do banho de chuveiro surgiu somente décadas mais tarde junto com o uso de tinas de madeira corno banheira, até porque a distribuição de água era inexistente ou se resumia a chafarizes espalhados pelo centro da cidade. Grande parte do lixo era jogado no mar pelos escravos ao fim do dia. Quando chovia, o lixo era mesmo jogado nas ruas.

A mudança dessa relação foi a utilização por D. João dos banhos de mar para curar mordidas inflamadas de carrapato, a partir de sugestão de um médico francês. Ainda assim, D. João não entrava no mar. Simplesmente utilizava uma banheira colocada na areia da praia do Caju, no antigo bairro da Prainha, posteriormente (e até hoje) conhecido como Saúde. A partir do final do século XIX as preocupações com o saneamento da cidade começaram a se tomar mais constantes, mobilizando o esforço de médicos, sanitaristas e engenheiros, que passaram a ocupar lugar central inclusive como administradores públicos. A aristocracia começava a procurar locais mais 'arejados' e adequados ao clima tropical para morar, pois o crescimento urbano desorganizado e a característica geomorfológica da cidade tornavam 'inabitável' (para elas) o grande centro. A população mais abastada financeiramente avançava para a Zona Sul e observavam-se as primeiras barracas de banhistas na praia. Os banhos eram considerados um luxo, um sinal de distinção e prazer, e somente secundariamente havia uma preocupação com a saúde. Por trás dessa ocupação crescente das praias se encontrava o desejo aristocrático de veraneio, de contemplação do belo. Mas logo, chegaram ao Brasil reflexões mais elaboradas sobre as propriedades medicinais do banho.

Surgiram as primeiras casas de banho. Primeiro eram simplesmente locais onde se ofereciam banhos de chuveiros. Mais tarde, tais casas surgiram também nas proximidades do litoral. O espaço urbano lentamente se modificava para garantir a melhor distribuição da 'milagreira' água, considerada fundamental para evitar as epidemias. Os banhos de mar só se tomaram mais populares já no século XX, no contexto do desenvolvimento de uma reforma urbana e de um novo estilo de vida ligado a uma cultura burguesa que passa a se preocupar com a saúde.

Nos jornais da cidade, desde aquela época chegavam notícias dos banhos de mar em países europeus e da diminuição crescente das roupas para tais práticas, inclusive das femininas. No Brasil, com a popularização crescente do uso do mar para banhos, desde cedo surgiram preocupações com a sua regulamentação. Não foram poucas as dúvidas quanto ao pudor de tais iniciativas, principalmente dos banhos quentes, que supostamente despertariam o desejo.

Tais inquietações se ligavam principalmente à participação das mulheres, que já começavam a ganhar maior visibilidade social, No final do século XIX, ainda havia um separador que colocava homens e mulheres distantes na praia. As mulheres “de respeito” tomavam banho de madrugada, ainda sem sol, e usavam uma indumentária muito pesada. Quem desrespeitasse e/ou abusasse era repreendido pela polícia, não raro sendo notícia na imprensa. Mais tarde também foram contratados salva-vidas, que no fundo mais livravam os banhistas das preocupações com os bichos do mar, ainda temidos, do que propriamente salvavam afogados.



Com os banhos sendo exaltados pelas propriedades terapêuticas, a praia de Botafogo elitizou-se devido as facilidades de acesso nesse bairro à utilização do mar. As empresas de bonde também utilizavam o mar como estratégia de marketing, oferecendo passeios às preferidas e mais populares praias do Passeio e do Russel (hoje, praia do Flamengo). Os passeios marítimos e as excursões às praias mais distantes (como, na época, Copacabana) se tomaram mais frequentes. Criou-se uma verdadeira estrutura comercial em torno dos banhos de mar, que ia desde sua utilização como pano de fundo para propagandas ligadas a remédios e tônicos ou a produtos específicos para os banhos como os sapatos de lona), até sua utilização como vantagem oferecida por casas de saúde e hotéis

Mudanças significativas ocorreram no que se refere à ocupação/utilização do mar e das praias. As areias da praia começaram a ser utilizadas para atividades de lazer como piqueniques, o para a realização de corridas de cavalo (antes da organização efetiva do turfe), até que finalmente surgiram as primeiras corridas de canoa. Inicialmente, a utilização de canoas/barcos não estava ligada à realização de competições, mas sim à contemplação do mar e da praia. Já as corridas de canoa (primórdios ainda não estruturados do remo) carregavam um sentido mais notável de desafio e o remo logo se desenvolveu enquanto competição. A primeira corrida de canoa mais divulgada no Rio de Janeiro foi realizada em 1846, com as canoas LambeAgua e Cabocla, já contando com grande público na assistência.

Mesmo que desde o início as corridas de canoas se estabelecessem como um acontecimento social que mobilizava grande público, ainda demorariam algum tempo para se tornar mais organizadas. Faltavam os clubes para que as corridas deixassem de ser, em sua maior parte, "tripuladas por afoitos amadores", as associações náuticas, que se dispusessem a explorar o esporte, cuidando de regatas, que só muito mais tarde apareceriam.

Uma mudança relativa aos sentidos de sua ocupação também estavam ligados a uma nova estética corporal os tipos físicos que passaram a ser valorizados. Chegavam da Europa, um novo modelo de homem e novas preocupações com a estética corporal. Isso contribuiu com as mudanças nas representações e nos padrões de higiene e saúde. Nos últimos 25 anos do século XIX, os banhos de mar já eram também encarados como exercícios físicos para a melhoria do padrão estético corpóreo, o que se articulava plenamente com um outro parâmetro de saúde. Só depois que o remo começou realmente a se desenvolver.

O primeiro grupo mais organizado surgiu em 1851 (os Mareantes). A regata foi disputada em três páreos, um dos quais para pescadores. Houve a possibilidade de não associados ao grupo, possivelmente membros das camadas populares (pescadores), participarem da competição seguidos dos homens da Marinha, sendo tal gosto somente mais tarde difundido pelas classes economicamente mais abastadas.



O remo começou a ser considerado uma diversão saudável. Em 1862 surgiram duas associações capitaneadas por figuras de influência na cidade: o grupo Regata e o British Rowing Club, este último inglês. As competições já eram mais organizadas, divididas em três categorias: profissionais, amadores e marinheiros. Os membros da Armada (Marinha) já consideravam as regatas como uma prática louvável. Começaram as discussões acerca da necessidade de novas embarcações, tecnologicamente mais adequadas ao desempenho esperado para tomar mais emocionantes as competições.

A primeira das associações de remo bem estruturada surgiu em 1867 (o Club de Regatas), mas somente em 1874 foi fundado o clube que iria marcar definitivamente o desenvolvimento do remo na cidade - o Club Guanabarense. A partir de então, muitos foram os clubes de remo criados e as competições realizadas. Já podíamos perceber que os eventos realizados já tinham uma organização, com arquibancadas montadas e divididas entre públicos diversos, com casa de apostas funcionando. O remo utilizava o turfe como modelo de competição. Na transição dos anos 1880/1890 ainda era possível tomar pane nas regatas sem ser membro de tais associações. Logo começariam a surgir iniciativas de unifomização e controle das regatas. Surgiram os primeiros movimentos criticando a supervalorização das apostas e do caráter de jogo nas competições de remo. Membros do Club Guanabarense chegaram abandonar e a se engajar na criação do Grupo de Regatas Botafogo (depois Club de Regatas Botafogo). Tal clube assumiria a posição de 'guardião das tradições', combatendo a “jogatina excessiva” e os “maus elementos” e se engajando na criação de uma entidade única de controle do remo na cidade. As apostas extintas em 1905.

Sem as subvenções para a organização das regatas, antes advindas em grande parte das apostas, os clubes passaram a ter dificuldades financeiras para organizar suas atividades. Os custos também se mantinham elevados, pois afinal cada clube organizava sozinho cada regata. Em 1897 a União de Regatas Fluminense foi criada pelos clubes Botafogo, Gragoatá e lcaraí e mais o Flamengo, Veteranos do Remo e Praia Vermelha. Aos poucos, foram promovidas regatas mais bem organizadas com uma frequência “seleta” e a União Fluminense foi se afirmando e ganhando espaço. Começou-se a discutir a necessidade de igualar os tipos de embarcações. A partir de 1900, a União muda de nome até se tornar a Federação Brasileira de Sociedades de Remo. Tratava-se agora de controlar não somente as entidades do Rio de Janeiro, mas de todo o país.

O avanço do remo na cidade foi marcante no ano de 1895 devido à criação do Club de Regatas do Flamengo e à redução das resistências aos exercícios físicos ligados ao mar. Havia uma relação linear entre o esporte e a não intelectualidade. Isto é, supostamente o esportista não se interessava, não participava, não estudava. Essas relações até hoje ainda persistem no senso comum. A grande importância do Flamengo foi contribuir para a renovação dentro do próprio remo. O Flamengo, um grupo constituído de jovens entusiasmados, renovou então a chama do remo na cidade e contribuiu para diminuir as resistências.

Grande parte da população não podia sequer pagar o ingresso nas arquibancadas e ficava mesmo assistindo nas praias. Alguns clubes organizavam barcos com banda e buffet para o público que desejava assistir, o que com certeza limitava ainda mais as possibilidades de acesso do público mais pobre

O remo incorporou perfeitamente a modernidade da virada do século. O remo era o esporte da saúde, do desafio (ao outro e ao mar), o esporte da velocidade. Afinal, quem chegava primeiro não era mais um cavalo, que tinha um homem como coadjuvante, mas um homem que conduzia o mais rápido possível, a partir de seu próprio esforço, um barco.

Foi também na gestão de Pereira Passos, no contexto de suas reformas da cidade, que foi construída a primeira instalação específica para as regatas: o Pavilhão de Regatas, na praia de Botafogo. Este pavilhão foi inaugurado em 24 de setembro de 1905, sendo o C.R. Vasco da Gama o seu primeiro campeão. O Pavilhão de Regatas foi demolido em 1931. A construção do Estádio de Remo deu-se em meados da década de 1950, por meio de um aterro nas margens da Lagoa. a data da inauguração até os anos 70 as regatas tinham grande público e eram um acontecimento esportivo importante. Com as obras para criar, já no século XXI, Lagoon, um complexo com restaurantes, salas de cinema, bares, casa de shows e ciclovia integrada à Lagoa Rodrigo de Freitas. tudo se transformou. Atualmente resta pouco do sucesso das antigas regatas.


Estágio de Remo da Lagoa



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Melo, Victor Andrade de. O mar e o remo no Rio de Janeiro do século XIX

Edição v. 13 n. 23 (1999): Esporte e Lazer

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